terça-feira, 25 de novembro de 2025

Sobreviventes.

 


Crescemos ouvindo que devemos batalhar e seguir em frente. Em todas as intempéries da vida, confiar naquilo que temos fé e não se deixar abalar. Somos ensinados que cada desafio deve ser encarado como uma meta, uma história de triunfo para ser contada posteriormente. Seja sozinhos ou seja em conjunto, vivemos de objetivo em objetivo, sejam aqueles que escolhemos para nós, sejam eles os que o destino nos traz.

E com isso o tempo passa. Deixamos a primavera da juventude, e antes de percebermos estamos sob um sol em ápice de verão. Mais experientes, mais calejados, talvez até um pouco mais sábios. Os olhos agora já um pouco levemente cansados das luzes das cidades e dos ventos das florestas lacrimejam de tempos em tempos. Mas ainda assim, sabemos que todo dia é ao mesmo tempo um presente e um desafio. Já tivemos nossas vitórias, e também nossas derrotas. Nossas despedidas e nossos recomeços.

O curioso é que nesse ponto também aprendemos uma verdade escondida em tudo que nos foi ensinado sobre superação. Não são apenas os desafios que derrotamos que ficam para trás. Aos poucos, vemos também aqueles que amamos ficando ao longo da es



trada. Quando nos ensinaram sobre a glória da superação, o triunfo sobre os inimigos, não é mencionado a brevidade daqueles que escolhemos para serem nossos companheiros de jornada. 

Como lidar com a magnitude de uma existência compartilhada quando ela se transforma em memória? Quando lugares visitados só podem te ligar através do túnel turbulento do tempo e do espelho turvo das memórias? O que fazer quando o coração lembra mais que a mente? Se o laço invisível da amizade ainda nos puxa fazendo a cabeça olhar para trás, só para conferir se aquela pessoa realmente não vai surgir de novo na última curva da vida que fizemos?

Sim, seria mais fácil esquecer e deixar tudo desaparecer nas mãos implacáveis do tempo. Mas deixar isso acontecer também abrir mão de parte de si. De parte da própria história. Com isso, uma ideia surge na mente. Simples, mas poderosa e de certa forma extremamente lógica. Resignada, mas sem ser conformista. Porque assim como os aprendizados das batalhas que vencemos precisam permanecer conosco, também o precisam as vivências cheias de amor e alegria, mesmo quando elas se misturam ao amargo da saudade. Talvez seja esse um possível caminho. Entender que, em parte, a vida é isso. Que ser um sobrevivente da própria história não se trata de apenas sobreviver ao que precisamos ou queremos deixar para trás. Mas que também nos transforma em sobreviventes dos que amamos, e as cicatrizes curadas no coração será o que levaremos deles até o fim dos nossos dias. 

domingo, 10 de março de 2024

Meandros na paisagem




Curvas de viagem
Calmas e tranquilas
Mal sentem o tempo e sua passagem
Sinuosas, em silêncio
Testemunhas já antigas
São da história um compêndio 

Espelho deste céu 
Entre luas e sóis mil
És tela e rosto debaixo de um véu
Cenário e personagem 
Por caminhos que você abriu
És protagonista e paisagem

Quão belas são suas curvas 
Mesmo quando chega a tempestade
E seu sangue ferve em cores turvas
Fúria imponente mas também contida
Quando alargas os teus braços
Prova que a força também cabe em tua face tranquila

Já um velho companheiro
Desde sempre meu dom diário
Em ser piloto e passageiro
Toco por ti este meu barco
Dia após dia
Ninado pelo seu embalo

Vez ou outra te vejo pestanejar
Um bocejo de sono
No meio da noite a cintilar
Aprecio em silêncio essa tua presença 
Até que encontro também em mim
As sinuosas voltas da minha própria existência 

domingo, 3 de novembro de 2019

Canarinhos no quintal



Cheiro de mate quentinho, aquele pote de biscoitos na geladeira. Um filme para distrair durante a tarde, e alguém sentado na cadeira da sala. Hora da escola, "vai com Deus, meu filho!"
Uma imagem de Nossa Senhora Aparecida na mesinha do quarto, aquele manto azul cujo amor de mãe só cresceu e se fez também vó. Passarinhos cantando na casa, e cachorros latindo no quintal. Presentes de Natal em 3 de dezembro, "E eu lá vou esperar até Natal pra ver se ele gostou?"
Conversa com as vizinhas no pé do portão, uma visita naquela amiga da rua do lado. Pernas boas de andar, de juntar histórias pra contar. Farra no mercado, puxões de orelha aqui e ali. Aqueles trocadinhos passados escondidos pra ninguém ver com o olhar vigiando a cena do "crime". Abraço gostoso de aniversário, crescer e te ver ir ficando cada vez menor, enquanto ao mesmo tempo o espírito se tornava cada vez mais e mais livre.
Hoje o dia foi frio e não teve chá-mate com biscoitos da geladeira. Eu olhei e vi uma sombra azul, era aquele manto sagrado na mesinha do quarto abraçando o céu em abraço pra te dizer "bem-vinda". E lá bem ao longe, vi que os canarinhos na gaiola ficaram em silêncio por um momento pra te ouvir cantando enquanto ia ao céu. Virei menino de novo, e quis seu abraço. Primeiro senti o ar vazio em minha volta, mas então olhei pra dentro de mim e senti sua vozinha acalentando meu coração. "Chora não, meu filho, que só vou ali e já volto". E enquanto sentia de volta aquele abraço conhecido, voltei a prestar atenção e ouvir que neste momento, os canarinhos do quintal também tinham voltado a cantar.

sexta-feira, 1 de fevereiro de 2019

Despedida



Se era alegria
Se era fraternidade
Se era parceria
Hoje sobrou a saudade

Se era amor
Se era lealdade
Se era ardor
Hoje me consome a incredulidade

Era mar que carrega areia
Era a palmeira do oásis do deserto
Era camponês que o chão semeia
Era a chuva que vinha definir o destino incerto

Como rostos que vêm e vão
Anônimos da massa da cidade
E quem eram hoje amanhã já não o serão
Linha de metrô findada, nesse caminho já não há passagem

Escolas que logo se irá deixar
São os aviões se tornando pequenos no céu
São as casas onde já não se pode mais morar
Cavalos que não voltam depois do giro do carrossel

Filmes que se tornam descoloridos
Escudos cujos brasões já não tem mais brilho
Pontes que já sucumbem aos anos transcorridos
Campos de onde já não se nasce mais o milho

O sol que se foi sem ter aparecido
O batom que perdeu seu carmim
Sem razão, sem sentido
Sem começo, também sem fim




segunda-feira, 15 de outubro de 2018

Nota de explicação



Há bastante tempo não apareço por aqui. Sempre gostei de manter a autenticidade do que escrevo, e por um tempo tudo esteve um pouco nebuloso. Muitas decisões, desafios, decepções e também vitórias. Sinto que agora voltei a ter um pouco mais de fôlego para não apenas entender tudo ao meu redor, mas também dentro de mim, e assim organizar meus pensamentos em palavras para poder compartilhar aqui. 
Me sinto bem feliz de conseguir isso, e por isso decidi voltar a este meu antigo blog. Não sei ainda com qual frequência escreverei, acho que este vai ser um ritmo que vai se definir por si só, assim como foi antigamente. Porém mal posso esperar para poder voltar a compartilhar aqui o mesmo aprendizado, esperança e lições que permearam minha vida nesses últimos anos.
Um abraço de coração.

terça-feira, 27 de fevereiro de 2018

Anônimo

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Palavras sussurradas
Confissões no escuro trocadas
O segredo da alma confidente
Que já não deixa revelar a pequena chama ardente
Pois ao menor sinal de vida
Sopros atacam até que esteja extinguida

Movendo-se nos cantos das paredes
Fazendo de trilhas de terra vermelhos tapetes
Confiando melhor e mais fiel companheiro
Aquela silenciosa imagem refletida no espelho
Pensamentos como em Júpiter em turbilhão
Mente espessa quase ao alcance das próprias mãos

Acenos fugidios que vão para o além
Enquanto para trás fica cada vez mais ninguém
Como dente de leão que depois do sopro se fez vazio
Das águas já sem nascente que não descem mais o rio
Bandeiras brancas como que a vida tentam convencer
Essa guerra cruel de uma vez por todas arrefecer

E enquanto friamente continua o pêndulo a se mover
Paralisa o tempo lentamente tudo que outrora conseguia se mover
Memórias furtivas antes vivas no esquecimento vêm a cair
Levando consigo a sutileza da alegria que logo dantes vivia ali
Tal qual eclipe que o dia vem exterminar
Mas que de longo é, se perde a fé de que um dia ele venha a terminar

sexta-feira, 18 de agosto de 2017

A trilha do gênio



"Está vendo aquela nuvem lá?__ perguntou a senhora, enquanto caminhava ao lado do pequeno garoto, que andava entretido pelas plantas à margem da trilha.
Qual?__ perguntou ele, tentando identificar algo em especial dentre as formas brancas espalhadas pelo azul do céu de meio dia.
Aquela longa, que ta subindo de trás do morro.__ respondeu ela, apontando com o dedo para uma que se assemelhada a uma coluna saindo de trás do horizonte.
Sim, estou! Que grande, né?__ disse o menino, enquanto refletia sobre como aquela nuvem parecia uma trilha, que se alargava quando ficava mais alta.
Sim, ela é do gênio que sai da terra e vem ver as coisas que a gente está fazendo, e ajudar com o que desejamos.__ explicou a senhora, chamada Yolanda, enquanto caminhava sob o sol escaldante do interior de Minas.
É mesmo?__ se surpreendeu o garoto, tentanto enxergar o gênio no topo da coluna.
Sim! E se você for bonzinho, o gênio vai sempre vir te ajudar!__ completou ela, divertindo-se com a expressão ao mesmo tempo curiosa e incrédula do pequeno garoto, que lá pelos seus cinco, seis anos, ainda fantasiava o seu próprio mundo cheio de coisas invisíveis espalhadas em todo lugar.
Tanto tempo depois, o pequeno garoto cresceu, e aprendeu na escola que as trilhas do gênio eram aviões passando pela linha do horizonte acima de nós. A senhora, levada pelas onda do oceano do tempo, hoje é parte de suas memórias. 
Às vezes, caminhando por trilhas em redor da cidade, olho para cima e por um instante reencontro aquele pequeno garoto. Ele, que ainda vive e se questiona sobre a magia que reina sobre o mundo, consegue me fazer crer por um momento que sim, o gênio está lá, bem no topo da coluna branca, observando o que fazemos cá embaixo. Paro por um momento e, antes de recomeçar a caminhar, penso que ela, aquela alma amiga e carinhosa dos tempos de infância na verdade é um dos gênios que voam por aí, ainda espalhando bondade com aquela mesma resiliência de sempre. Ao longe soa o latido de um cachorro e, desperto novamente para a realidade, continuo caminhando, em pazes com o pequeno que ainda sonha com as nuvens brancas do céu.