sexta-feira, 29 de novembro de 2013

Dom Quixote




Era ele, um viajante solitário. Um acorde de base, uma voz grave de fundo da música. Era, ao seu ver, a peça secundária, aquela que não era vista. Era um preenchimento, daqueles que se coloca quando se sobra espaço. Não lutava mais por si, mas sim pelo que acreditava valer a pena.
Via no mundo o que queria queria que vissem nele. Via no mundo toda aquela bela construção, mas que por algum motivo não era vista em seus olhos. Olhos incomparáveis, por assim dizer. Como as águas verde-pérola das matas tranquilas, mas que são cheias de seus próprios segredos, pensamentos, histórias. Campos que só os que gostam de contato profundo e sincero sabem admirar, mas que podem dar a paz que todo viajante precisa.
Caminhava em suas próprias histórias, contos que ele mesmo tinha para si, e que não deviam pertencer a mais ninguém. Pelo menos não a quem não entendesse que lá no fundo, os moinhos inofensivos eram dragões temerosos e que, por trás de cada uma das suas batalhas, havia um dragão feroz a tentar devorar seus sonhos.Caminhava ele, em sua busca diária por um lugar de descanso, um descanso que ele ainda não encontrara em lugar algum.
Vivia em suas reflexões, e em seu silêncio atestava a sua certeza sobre o que deveria acreditar. Ainda que o mundo o chamasse de louco, ele tinha completa certeza de sua sanidade. E essa era a sua força, sua fé, sua vontade. Nem sempre os ventos do destino lhe sopraram a favor, mas sua espada jamais permaneceu na bainha quando ele sabia que ela teria seu valor ao ser estendida. Cada uma de suas batalhas era por uma das ditas causas perdidas, daquelas que não faz sentido algum dispôr-se a lutar. Porém, e isso era algo que somente ele via, estas eram justamente as únicas causas que um homem poderia ganhar nesta vida.


sexta-feira, 22 de novembro de 2013

Presença


Em uma xícara de café
Naquela canção que surge aleatoriamente
Em uma fragância de perfume
Em estranhos nos quais vejo os mesmos costumes
Em olhares furtivos e distantes
Em países longínquos mas presentes
Na luz de uma lua prateada
No suspiro da brisa morna da manhã
Quando os pássaros da primavera cantam a nostalgia
Quando o silêncio da ausência é a única companhia
Quandos os sonhos tomam conta da mente adormecida
Quando o coração fala em voz alta e ensandecida
E a memória abre os porões empoeirados
No quebra-cabeça do destino humano
Nos muros de um futuro profano
Nas águas claras do mais belo oceano
No meu reflexo, eu, puro ser humano
Na quietude que me coloco
Nos espíritos antigos que em desespero invoco
Bem aqui em todo lugar
No nada, onde o bafo quente das chamas vem a soprar
Em ondas que fazem a pele arrepiar
Em uma tatuagem que não me lembro de em mim fixar
Em minha própria percepção
Nas linhas que estão escritas em minha mão
No meu subconsiente onde eu sequer posso ver
Sob a minha pele
E eu quase deixei de notar
Ainda aqui está você

terça-feira, 5 de novembro de 2013

Duplipensar



Todo dia uma notícia "bomba". Todo mundo comenta, se revolta, se alegra, vê motivos pra acreditar na humanidade, motivos pra achar que ela não tem salvação, e assim seguem os altos e baixos da sociedade virtual.
Se alguém pegar cinco minutos para ler os comentários nas notícias das principais redes de notícias, vai poder ver como as pessoas são contraditórias. Enquanto defendem que animais não podem ser usados em experimentos, defendem que presos deveriam, porque eles não têm nenhuma utilidade pra sociedade. 
Sem ver, são contraditórias. Sem ver, são hipócritas. Sem ver, enquanto tiram a faca de um ladrão, entregam a arma ao outro. E não percebem que, fazendo o que fazem, não fazem nada. Porque é exatamente isso que elas devem fazer: nada. A defesa da ação é feita com ardor na internet, enquanto são estigmatizadas todas as formas de protesto nas ruas. São arruaceiros, vândalos, gente que não tem o que fazer, e foi criada com muito leite Ninho em casa.
Não sou velho o bastante para dizer que isso é algo novo, e já aprendi que mesmo a história não é uma grande contadora de verdades. O que posso dizer é que, no pé que as coisas estão, não haverá um futuro muito diferente para as futuras gerações. Pessoas sequer sabem o que é uma ironia quando ela é utilizada. Reclamam da superficialidade do século XXI, mas sequer se dão ao trabalho de abrir uma reportagem, ao invés de ler apenas o cabeçalho do post no facebook.
Esse é o grande êxito do duplipensar. Combater a fome e comprando as queimas de estoque da Zara. Se erguendo contra as ostentação, e achar lindas as novelas das nove, e cair na balada ao som de um "Camaro Amarelo", para não dizer algo pior. Defenda o que é certo, mas critique quem luta por ele. Apenas seja um a mais que tem na timeline muitas orações, fotos legais, sorrisos estampados e, pra quebrar o gelo, o link de algum abuso de direitos humanos num país longínquo e distante. Por é sempre mais fácil amar as baleias caçadas no Japão.