quinta-feira, 26 de novembro de 2015

Fortaleza



Algumas histórias começam belas. São lutas compartilhadas, dias sob a chuva a martelar pregos sem fim, para que no final a obra esteja completa. Ali são construídos muros, prédios, fortalezas... Todas coisas que parecem intocáveis, belas, imponentes. Olhamos felizes para elas, e admiramos cada pedra encaixada em seu devido lugar.
Ao seu final, cada um vai para sua própria casa. Conta de como foi árduo o trabalho, de como se teve a ajuda de tantos outros para erguer tão bela obra da arquitetura, enquanto a lenha crepita na fogueira. E por dias a fio vamos dormir com aquelas imagens a colorir os pensamentos, e a confortar nosso sono, alimentando sonhos que remontam ao dias ali vividos.
Até que um dia voltamos àquele mesmo lugar. Voltamos e vemos que o tempo passou, a tinta desbotou, e alguns buracos inclusive surgiram no telhado. Voltamos e vemos que ainda há beleza nela, mas falta algo. Nos perdemos por um certo tempo tentando entender qual o motivo daquela falta de familiaridade, já que almas e corações se uniram para fortificar aqueles lugar. 
Então, por um momento, a resposta vem. Tão óbvia que dói como um soco tomado diretamente na boca do estômago. Aquela solidão, aquela falta de sentido, aquela sensaçã de distância, tudo aquilo tinha um motivo. Aquele lar, tão eficiente outrora em unificar amizades, e criar aquela sensação incrível de família com outros que só viemos a conhecer posteriormente, foi apenas uma ilusão. Foi um castelo medieval construído apenas para existir, mas que tão logo terminado, foi deixado com suas bandeiras hasteadas. 
Aquela grandeza toda, outrora símbolo de força, união e companheirismo, hoje é apenas um lembrete de pedras e areia sobre a saudade que ficou. Uma saudade que sabe-se lá até quando irá durar, pois aqueles que o levantaram do chão ainda estão com seus pensamentos ocupados demais pela ideia da existência de um lar construído em conjunto, que esqueceram que pedras e areia só são um lar quando existe quem habite dentro dele.

segunda-feira, 16 de novembro de 2015

Pedras na areia



A batida ribomba mesmo de olhos fechados
O vento sopra fantasmas que se escondiam no armário
Quando que a vida ficou assim vazia?
Sem nada para escrever sequer um diário?

Porque os pés são pesados
Assim como a própria forma da alma
É um preto e branco sem graça
Tudo envolto numa morta e sem vida calma

As cores do horizonte são sangue que chora
Refletem em meus olhos um sentido que se foi
Mesmo as coisas boas de antes
Já as quero deixar para depois

O frio que sinto não é mais o dos dias de inverno
Ele está aqui no verão, outono e primavera
Se tornou diário e constante
Ficará por mais de uma era

Tantos rostos indiferentes na rua em redor
Quando foi que diminuí e sumi
Me perdendo em meio a linhas de um quadro invisível
E toda alegria é lembrança que não vai se repetir?

Olhando as belas formas de uma mansão bem acabada
Entro pelas portas de um casarão à moda antiga
São paredes sem som, escuras
São poeira decorada, que agora me suga a vida

Fechando os olhos, elas vêm sem que eu queira
São imagens de risos, imagens de dor
Foram aqueles dias em que o espírito percebeu
Que se havia entregue a um traidor

E quando o dia nasce, não parece mudar o que virá
Pois rotinas não são construção
E para um coração antes aventureiro
A mesmice é um fim em solidão

Naquele triste momento
Os olhos encontram no espelho
Um poço agora sem fundo
Até a água limpa se retirou daquele desespero

Talvez um anjo mítico venha a chegar
Fazendo o que dizem nas canções hoje sem sentido
De que no espelho não existe um fantasma
Mas sim alguém por quem será melhor ficar que se ter ido

Até esse dia, ainda que não por escolha
As folhas terão esse tom de sépia
As horas passarão devagar
Congelados como pedra
Estarão meus desejos a te esperar

quinta-feira, 5 de novembro de 2015

Irmãos



Eles nascem conosco. Antes ou depois de nós. São adotados em orfanatos, ou os conhecemos ao longo da vida. São aquelas pessoas cujas palavras se fazem em um olhar apenas, onde frases inteiras estão codificadas. 
Riem conosco, ou riem de nós. São tempos divididos nas brincadeiras em casa durante a infância, tempo na casa dos outros dividido entre fazer os trabalhos da escola e encontrar algo melhor para fazer. São confidência, até naqueles momentos em que cometemos nossos pequenos delitos caseiros. 
São união, força e motivação, naqueles períodos complicados, em que não sabemos direito o que fazer. São luz de esperança quando caímos em becos escuros, e nos lembram de tudo que podemos ser, e da vida que podemos ter. São consolo para as lágrimas quando o coração se parte devido às mais diversas intempéries da vida.
Eles são iguais a nós, ainda que cada um tenha suas particularidades, suas próprias dúvidas, anseios e sonhos. Mas todos temos limites e problemas, que, quando nos damos as mãos, se tornam apenas etapas que iremos superar. Quando nos abrimos e permitimos que eles se acheguem e nos consolem, percebemos que a nossa condição humana é, antes de tudo, um presente. Um presente para que possamos aprender, dia após dia, a amar, a acreditar, a perdoar, e também a ter esperança. À medida que crescemos, vemos que eles não são apenas memória dos dias de infância, de escola, ou de quaisquer outros lugares que já fomos juntos. Sempre que os reencontrarmos, veremos que na verdade, irmãos são para sempre.

domingo, 1 de novembro de 2015

Amanhã



Existem ao longo da vida inúmeros desafios aos quais vamos sendo expostos. Problemas pessoais, de ordem social, econômica, amorosa... Tudo envolto por situações problemáticas nas quais nos envolvemos, ou até mesmo as criamos sem perceber, e então passamos a desejar ardentemente pelo seu fim.
Buscamos ajuda, e muita vezes a encontramos. Em outras, porém, caímos em armadilhas atraentes oferecidas por promessas de auto-ajuda, nas quais somos naturalmente fadados a encontrar o sucesso, em algum dia amanhã. E é exatamente nessa promessa do amanhã melhor que mora um dos nossos maiores perigos: a conformidade. 
Esperança é um dos sentimentos mais puros e nobres que podemos sentir, mas quando ela é irracional, vivemos suspirando frases belas e bem-construídas de que tudo será provido, e de que basta apenas continuar agindo como se tem agido, para que tudo melhore. E assim os dias vão passando, e não percebemos que, justamente por nossa persistência em continuarmos iguais, os problemas não acabam. 
Caímos por fim num círculo vicioso, no qual passamos dias a fio esperando pela alegria do amanhã, sem perceber que todo novo dia que se torna o hoje, ainda estamos tristes. Tristes com a vida, com aqueles que amamos, com nós mesmos... Nossa fé e visão estão tão focadas numa possibilidade futura de alegria plena, que perdemos a noção de que felicidade não é uma recompensa ou destino final, mas sim o aprendizado de amar aquilo que se tem, onde se está e com quem se está. E isso faz com que, todos os dias quando o sol nasce, vejamos apenas a sombra eclipsando a luz que chega, sem perceber que ela na verdade é apenas a projeção pesada e imóvel dos nossos próprios pensamentos.
Seja no pântano ou na praia, há luz do sol que chega lá. Seja no sucesso ou no fracasso, há sempre um trecho a mais de caminho para percorrer. Talvez pudéssemos ser muito mais felizes, e alcançar muito mais obras gratificantes, se focássemos menos em anunciar para nós mesmos e o mundo nossas esperanças vindouras, e gastássemos esse tempo na mudança. Mudança de vida, de caráter, de hábitos. Porque somente com a construção e descontrução diária daquilo que somos, abrindo nossos corações para serem moldados pelas mãos do destino e da vida, é que começaremos a abrir os ouvidos do nosso espírito para saber se estamos no rumo certo, e encontrar a tão desejada alegria no coração. Nem amanhã nem depois, porque se deixamos tudo isso para o futuro, não é de se surpreender que o presente seja tão amargo e doloroso de se lidar.