quinta-feira, 30 de maio de 2013

Cântico do viver




Dia após dia
Num desejo atroz de existir
A alma que se sufoca na lama que ela ama
Descama
A alma que não descansa, e se cansa 
Num frenesi louco de ir e vir
Seguir
Apenas evoluir
Caminhando em meio aos lírios perdidos do campo
Sabendo que eles foram plantados para ali ficar
Pois não existe flor que exista fora do chão
Ainda que seja doce o perfume delas 
Quando estão na palma de nossa mão
Leveza de espírito
É o que se necessita
Clareza ao decidir
Por onde é afinal que se deve seguir
Outras frequências captar
Em uma nova dimensão de pensamento habitar
Captar o ruído surdo do universo em redor
O tempo é implacável, e segue sem dó
Mas envelhecer é opção
Ser jovem é sempre uma questão de opinião
Olhos vivos, sagazes a mostrar
Tantas promessas de um coração que brilha ao pulsar
Nas coisas simples, mostrar da forma mais bela
O dom de amar, que é uma arte tão singela
Vedada apenas àqueles que já não vêem
Nada mais além do que podem repartir
Dentre aquilo que consigo têm

sábado, 25 de maio de 2013

Contos de uma existência: Redenção



Nos vales secos da escuridão humana, jazem aqueles que se recusam a perdoar. Presos a espinhos de amargura, se debatem em amarguras viciantes, que não levam a lugar algum. Solidificados pela própria dor, são pedras lamentosas. Mas ainda assim, são humanos, embora tenham se esquecido disso. Uma alma perdida que foi deixada para trás, nos ritmos quase sem vida de um coração que está no chão em pedaços.
Num ressonar contínuo, lamurioso e auto piedoso, a alma busca por um consolo que não acredita existir. Em redor, apenas dor e sofrimento, sem a menor mudança de paisagem. São os traços de alguém, cuja face é um borrão distorcido na memória, que partiu há muito, rumo a caminhos que nunca se sabe para onde vão. Apenas se sabe que eles são sem saída.
Então, num dado momento, uma pequena pontinha de ideia começa a brotar. Com o tempo, ela vai amadurecendo, vicejando em meio a tanta escória que emana de um espírito enrijecido. Decidindo-se por se erguer, o que já não se esperava acontece: o perdão. A compreensão de que todo vilão acredita estar fazendo o que é certo, e de que todos somos passíveis de sermos vilões na vida de alguém. À medida que a certeza cresce, o ritmo se torna mais e mais vivo, enquanto os contornos da alma tomam cor, traços leves expulsando as sombras pesadas que antes eram uma capa pesada. 
Luzes que nascem, contornam, colorem o ambiente em redor. Então, o inesperado acontece. Num encontro de duas estrelas a queimar não mais de orgulho ou ódio, mas sim de compreensão, arrependimento e perdão, duas luzes que se fundem num brilho azul cintilante, de uma nova menina celeste que inicia nova vida. Nessa fusão de cores, o passado perde seu peso, embora não a sua força, dor e sofrimento. As lágrimas que brotam são da alegria sincera, aquela alegria que só se vê nos reencontros dos que se amam. Um momento esperado por séculos de existência, que se tornam apenas minutos passados, agora que tudo acabou.
Apesar de toda a dor não ser algo magicamente esquecido, e o ritmo dos tons diminuir à medida que a lembrança sombria toma conta dos pensamentos interligados, uma nova palavra toma forma e ação: a esperança de um futuro, já dantes esquecido, mas que agora passa a se tornar realidade, a cada passo na mesma direção. Não importa mais com qual velocidade se vai. Porque o que eu, o pequeno sonhador que relata uma história já não mais fictícia, sei que caminhamos juntos, no caminho que se deve caminhar, e de onde jamais se deve sair.
Não é o fim da história, apenas o começo que começa com uma única palavra onde cabem dois corações em um único destino: redenção.



Episódio 3 da Série "Contos de uma existência"
Parte 1

sexta-feira, 24 de maio de 2013

Contos de uma existência: Lucidez


A milhas e milhas de distância do pensamento, caminha uma grandiosa estrela. Confiante em sua própria luz, incendeia-se, torna-se uma gigantesca massa vermelha, enquanto devora o que está em seu redor. Uma mente inflada em si mesma, que confia na própria voz mais que na própria consciência, não percebendo a catástrofe eminente. Enquanto vai retirando a vida em torno de si mesma, apresenta seu brilho, tal como acha que deve ser.
Caminhando por dentre os céus desta vida, mostra o seu ardor incontrolável, enquanto seu combustível se torna cada vez mais pesado, e a sua luz, cada vez mais morta. A verdade, dantes ignorada, já não é mais algo possível de se esconder. Porque nos caminhos árduos dessa vida, qualquer personalidade aguda tem suas arestas polidas, tornando-se uma bela superfícia lisa. 
No ritmo de uma valsa, os pensamentos começam a se ordenar, enquanto cenas do passado começam a correr pela mente, que agora não consegue mais deixar a verdade do lado de fora. Ela está no caminho, no céu, no ar... Dentro de si, onde uma voz começa a gritar, com toda a sua força. Alguma coisa está extremamente errada. Onde está a felicidade? Certamente não é nesta solidão.
Então, como o lampejo de um raio que parte o céu, a lucidez faz com que a consciência atinja o auge máximo de seu discurso, e tudo vem à tona. Os castelos de areia começam a ser tragados pelas ondas ruidosas do mar da culpa, culpa esta que faz admitir tudo que se fez.
Então, ao olhar para o lado, vê-se a realidade: nunca se foi especial, apenas um dentre vários pontos falhos no céu da existência, que cintilam num céu escuro. Já se apercebendo da própria falta de grandeza, a verdade mais dolorosa vem: os erros cometidos são como os de mil outros, que se deixam iludir pelas luzes refletidas no espelho. 
Num buscar pelo perdão, muitas almas cantam juntas, procurando se consolar na própria amargura. Mas não há saída tão fácil, e o arrependimento começa levar a uma única certeza, uma certeza que esteve lá o tempo todo, esperando para ser vista. Uma imagem surge no pensamento, e uma sombra começa a tomar forma, enquanto o som que toma conta do espírito é uma nota calma, suave e, à sua maneira, triste. Pois já não se tem certeza do que se vai encontrar, sabendo-se que o estrago feito foi como o de uma vaga que percorre todo o mar só para quebrar violentamente na praia. Há uma vontade irrefutável de seguir, crescer... Mas antes, não... Antes é preciso voltar para ver o que ainda restou do que se fez, pois há alguém que ficou para trás. Alguém cujo canto começa a ser ouvido dentro do próprio espírito, um canto baixo daqueles que já não têm mais forças para cantar.
E, nesse momento então, começa a lenta jornada de volta, enquanto a própria alma vai mudando seus tons, sua forma, sua essência... Porque com a lucidez, os tons pesados e escuros começam a dissipar-se, enquanto que a clareza do raciocínio, e a leveza do coração operam uma verdadeira restauração do espírito.



Episódio 3 da Série "Contos de uma existência"
Parte 1

terça-feira, 21 de maio de 2013

Contos de uma existência: Sangria


Continuação da série iniciada com "Contos de uma existência: Cisão"


Num ritmo crescente, que se torna mais e mais intenso, o coração sente cada segundo do tempo que passa como se fosse a própria eternidade. Cada pulsar afunda mais e mais os espinhos de raiva e revolta dentro da própria alma, enquanto a incredulidade começa a ceder lugar à certeza do que aconteceu.
O sol se foi, e a única coisa que sobrou foi a lembrança. Lembrança de um dia que não mais existe, que apenas é fonte de uma amargura incontida. Já não mais suportando a pressão, um canto melancólico, triste e agoniado começa a ser entoado, contando as incertezas daqueles que foram deixados para trás. Porque uma pessoa pode resistir a qualquer coisa, exceto ao esquecimento. 
No meio daquelas paragens, no ápice de sua própria canção, soa o eco da própria dor, transformada em melodia, na certeza da incerteza de que algum dia se consiga esquecer. Na revolta perante a  conformidade com tudo que se passa, na falta de vontade em desejar que tudo aquilo acabe, e se torne apenas mais uma página virada. Porque nesses momentos, a mente oscila entre opostos distantes, como um pulsar longínquo, um farol no meio do universo que é o resto de uma antiga entrela que outrora brilhou.
Fustigada pelas próprias ondas de explosão, busca um ponto de equilíbrio, enquanto o universo em volta assiste ao grandioso espetáculo de uma maravilha cruel. Tais luzes que divisam o horizonte são fruto de uma vontade incontrolável de ser encontrado. 
E, para quem nunca experimentou a mágoa, nua e crua, paira a tristeza em não se conseguir esquecer. Apenas seguir adiante, rumando a novos campos, que anseiam por serem semeados. Preso aos espinhos que antes alguém plantou, cada tentativa de movimento é apenas uma ferida a mais na alma. Nessas horas, só resta esperar, ainda que já nem se saiba mais pelo quê.

sexta-feira, 17 de maio de 2013

Ruído verbal



Às vezes, quando se diz que hoje a sociedade é mais individualista, as pessoas discordam. Dizem que a sociedade evoluiu, que temos muito mais desenvolvimento... Bem, pode até ser, mas basta pegar uma ou duas notícias na internet, e ler os comentários, que se verá de tudo: pseudo-filósofos que trazem consigo toda a sabedoria do universo, barbáries sem tamanho que têm um palavrão ou ofensa em caixa alta a cada dois mossílabos, juízes que sabem das leis da vida melhor do que ninguém, e por aí vai.
O bom senso virou um dom cada vez mais raro, porque ninguém quer parar para pensar antes de falar. Ainda perguntam porque é que estrutura familiar vai de mal a pior. Não é porque a TV entrou em nossas casas e desordenou tudo, ou qualquer outra desculpa esfarrapada qualquer. Seria muito fácil culpar um agente externo. Estruturas como a família são destruídas de dentro para fora. Por mais que no mundo haja sim muita gente má intencionada, e muita asneira circulando para fazer mal mesmo, isso só tem efeito quando encontra meio propício. Se um pai e um filho não conseguem ter diálogo por pura ignorância, o que é que pode se esperar quando ambos forem para a rua discutirem ideias?
Há um ar de liberdade de expressão que está permitindo ondas de baboseiras irem e virem como se fossem algo normal. Liberdade só faz bem quando você sabe usá-la, porque senão ela vira libertinagem. Não lutamos por direitos para uns, para que esses se afolguem, ganhem força e criem novos preconceitos. Isso não é exercício de cidadania. É exercício de ignorância, que a cada dia está ganhando mais e mais força no nosso país.
Muitos podem me apedrejar por estar escrevendo isso. Mas, sinceramente, não é com ignorância que se vence ignorância. E ignorância não é simplesmente acreditar em algo, como muitos defendem. Ignorância é, principalmente, a forma como se defende algo. Como alguém manifesta uma ideia, um conceito. Não basta achar que se tem razão, isso qualquer um acha. O desafio mesmo é ser adulto de espírito e saber debater como uma pessoa madura, não como uma pessoa mimada e pirracenta que só trata bem quem passa a mão na cabeça dela.

quinta-feira, 9 de maio de 2013

Breve adeus



E há vezes em que se calar é simplesmente uma nova maneira de ajudar. Estar perto nem sempre é o melhor a se fazer pois, quando já não se é mais ouvido, qualquer palavra seria uma semente desperdiçada. Quando já se fez tudo que se podia, o que resta é esperar. Porque as sementes que já foram plantadas não ficam inertes para sempre.

Reconhecer os próprios erros, e ter o discernimento de reconhecer os do outro, sem que isso se torne uma fonte de raiva. Saber que cada dia é uma oportunidade de escrever uma história de vitória, sem se deixar levar pelo que as infelizes criaturas dizem ser normal. Não é fácil deixar partir um pedaço de si. Mas às vezes, essa é a maior prova de que se gosta de alguém. Simplesmente deixar as próprias escolhas falarem, a mostrar o que é, de fato, melhor ou não.

E, do tempo anterior, da caminhada por sendas escuras em busca de uma saída, trazer apenas a lembrança do que não deve ser feito. Com o que se viu, com o que se fez. Apenas seguir, rumo a um ponto maior, um pouquinho a mais de elevação dentro do templo que é o espírito de cada um de nós. Nos esforçarmos, e melhor um pouquinho que seja a cada dia, porque é para isso que nós nascemos. Para crescer, tendo a certeza de que, quando cairmos, poderemos nos levantar. E, mais que isso: quando alguém próximo cair, estarmos prontos para ajudar, quando esta pessoa finalmente quiser se levantar. Pois a lição maior não está em amar a si próprio, nem aos que nos fazem bem. E sim àqueles que nos ferem, nos machucam, nos jogam fora. Porque no final das contas, você acaba percebendo que estas pessoas são as que mais precisam de alguém que os ame. E, no mundo individualista de hoje, além de ilógico, isso é apenas uma utopia, embora de utopias e impossibilidades, é que estejam cheias as histórias dos maiores homens que já existiram na história.