sábado, 29 de novembro de 2014

Tempo

 
Invisível, implacável, imutável
Senhor da vida, da morte, faz de tudo passagem instável
Nas fotos o papel de amarelo se colore
Enquanto das montanhas para o mar
O rio da nossa vida sem parar corre

Sensível, recheado de amores, despedidas
É com acontecimentos e histórias
Que sua essência é preenchida
E desde seu início até o seu desconhecido final
Lutas serão vividas, vitórias serão adquiridas
Memórias serão construídas, e promessas serão cumpridas

Intimidador, poderoso, estranho remédio para a alma
Às vezes se faz rápido como o vento
Em outras é como o brilho do sol num mar em calma
Faz que as folhas de verde a amarelas e vermelhas venham ao chão
Faz com que a certeza se transmute em uma nova questão

Não se sabe se é testemunha ou causa das mudanças que virão
Só se sabe que sem parar suas mãos por todo lugar passarão
E enquanto bebês crescem para se tornarem fortes que amarão
Seus olhos vêem a vida como um acontecimento raro desde toda a criação

E seu prolongamento nos trás perguntas que incomodarão
Pois sabemos que para ver as respostas
Nossos olhos mais aquik não estarão
E enquanto brincamos de esquecer que nossas pegadas também se irão
Ele faz seu papel perfeito de que coisas novas sempre virão

E docemente como o abraço de um irmão
Aos recantos do desconhecido seus braços nos levarão
Deixando como certeza apenas
Que mesmo depois de nós outros tanto também se levantarão

quinta-feira, 20 de novembro de 2014

Aconchego



Vermelho no azul
Cores de um mesmo corpo nu
Folhas amarelas pelo chão
Dois que caminham mas têm unidas as mãos
Vento nas árvores, som de rio ao longe
Sol brincando nas nuvens
Logo logo desce abaixo do horizonte

Ruas antigas como a memória do mar
Histórias aqui vividas
Que só descobre quem aprendeu a imaginar
Calçadas de pedra, feitas com calos nas mãos
Marteladas do passado, ouço-as hoje ainda pelo chão
Ouro brilhante que aqui correu
Natureza estranha que agora nas montanhas se escondeu

E enquanto o violão toca à tardinha
Ouço uma gaita bela que lhe faz companhia
Dois que são um, um que são dois
Sons que me lembram, que amigos não se deixa para depois
Ao meu lado um velho senhor se senta
Me conta histórias antigas
Dos tempos que suas mãos eram sem rugas como as minhas

E ali fico parado a escutar
Como o tempo dá sabedoria
Àqueles que pela vida se deixam moldar
E encontram num mero bom dia a honradez de reis
Pois com um sorriso é que muito por este mundo já se fez
E mais à noite dentro da missa
Aquelas velhas senhoras em côro
"Meu Deus, que coisa mais linda!"
Penso eu enquanto sorvo toda aquela amiga realidade
E no peito já me bate aquela vontade
De tudo isso num filme eterno transformar

E ao andar de volta pela rua
No céu surge uma bela e amiga lua
Me faz lembrar das serenatas que os antigos falam
Na porta das casas daqueles a quem amavam
Quando a vida não era apenas correria
Quando em ruelas o riso de crianças de ouvia
Em memórias perdidas de uma era quase esquecida
Com saias de fita, babados a rodear
Aquelas mulatas que nos rios as roupas iam lavar

Em uma quase utópica realidade
Com todos os seus problemas e contrastes
Nasci, cresci, e aprendi uma eterna verdade
O pé no chão é também digna condição
Daqueles que bravamente lutaram para não só existir
Vencedores no final com um sorriso no rosto puderam partir
E ainda que as eras se acabem
Triunfantes poderão para semrpe existir
Pois naquelas casinhas com cheiro de lenha a queimar
Nelas foi que aprendi o que é que significa mesmo o verbo amar

quinta-feira, 6 de novembro de 2014

A arte de continuar



Tem dias que são assim. Você acorda, e sai da cama para fazer o mesmo que em todos os outros. Trabalho, escola, ou seja lá o que for. Naquela vivência que se vai diariamente sem fim. Mas um dia em especial fica na memória. Nele, algo sai fora do padrão, e aquilo que conhecemos se vai. Estamos ainda ali, analisando e tentando nos encaixar na nova situação, enquanto certo e errado parecem ter trocado de lugar, ou talvez sejamos apenas nós que estamos reaprendendo no quê exatamente acreditar.
Então, apesar de toda a confusão, o atordoamento, a dúvida, se arrisca um movimento adiante. Com cuidado, porque o chão destruído parece um campo bombardeado, bombas estas que vieram de sabe Deus onde, sejam pelas peças pregadas pela vida, ou por aqueles a quem talvez tenhamos dado crédito demais. E ali vamos, acreditando, embora com o receio de uma criança diante da porta do armário no quarto que está semi-aberta.
Então percebemos que, a despeito de todo o meio hostil à volta, de todas as palavras pesadas e cheias de rancor e ódio, ou apenas de falta de empatia, é exatamente o que se deve fazer. Seguir resistindo aos ataques intermitentes, que atingem não apenas o corpo, mas também a alma, dando aos nossos pensamentos e sentimentos outras formas e tons. Começamos a aprender que para amar o próximo, é preciso enxergar as nossas próprias limitações, e então entender que, ali no outro lado do campo de fogo, existe uma alma quebrantada por mil outros ataques sem razão.
E assim vamos, unidos numa jornada rumo a sermos um alguém melhor. Não simplesmente para nós mesmos, para obtermos uma posição melhor, ou qualquer outra vã projeção passageira de resplendor terreno. É rumo aos recantos perfeitos do eterno, onde meros farrapos têm o mesmo valor e beleza que vestes de ouro. No fim, tudo não passa de mera capa transitória, com o fim de nos fazermos visíveis uns aos outros, para que aprendamos a lidar com o que temos de encarar em nós mesmos.
Então passo após passo, obstáculo após obstáculo, se vai em frente. Em geral se ouve muito das margens da estrada. E com razão, porque quem não se ocupa da própria caminhada tem tempo de ser vigilante impiedoso das jornadas alheias, fiscalizando o mundo a partir de sua própria existência e referencial. Mas ao entender o multiverso de realidades que esse mundo carrega, entendemos que estas são apenas vozes perdidas, ecos passageiros que também encontrarão seu caminho. Sem medo, sem rancor, sem violência, com o tempo aprendemos a amar também a eles. Afinal, assim como nós mesmos, são apenas crianças tentando aprender a crescer.
E aí, ao passo que tudo vai se mostrando mais amplo, também vai se mostrando mais belo e, com o frio na barriga de encarar tamanha grandiosidade, vamos pegando o costume de cair, levantar e aprender. O costume de ser ferido, perdoar e se curar. Aos poucos, bem aos poucos, a gente vai internalizando esse processo eterno de tentar, algumas vezes falhar, mas nem por isso se deixar parar. No fundo, para ser feliz, não é preciso que tudo esteja perfeito, que o dia seja de verão, ou que a casa esteja cheia. Talvez o que se precise seja apenas saber que todo o bem que fizermos ecoará neste mundo por muitos anos além da nossa própria existência e, por isso, vale a pena se pôr a movimentar.