sexta-feira, 18 de agosto de 2017

A trilha do gênio



"Está vendo aquela nuvem lá?__ perguntou a senhora, enquanto caminhava ao lado do pequeno garoto, que andava entretido pelas plantas à margem da trilha.
Qual?__ perguntou ele, tentando identificar algo em especial dentre as formas brancas espalhadas pelo azul do céu de meio dia.
Aquela longa, que ta subindo de trás do morro.__ respondeu ela, apontando com o dedo para uma que se assemelhada a uma coluna saindo de trás do horizonte.
Sim, estou! Que grande, né?__ disse o menino, enquanto refletia sobre como aquela nuvem parecia uma trilha, que se alargava quando ficava mais alta.
Sim, ela é do gênio que sai da terra e vem ver as coisas que a gente está fazendo, e ajudar com o que desejamos.__ explicou a senhora, chamada Yolanda, enquanto caminhava sob o sol escaldante do interior de Minas.
É mesmo?__ se surpreendeu o garoto, tentanto enxergar o gênio no topo da coluna.
Sim! E se você for bonzinho, o gênio vai sempre vir te ajudar!__ completou ela, divertindo-se com a expressão ao mesmo tempo curiosa e incrédula do pequeno garoto, que lá pelos seus cinco, seis anos, ainda fantasiava o seu próprio mundo cheio de coisas invisíveis espalhadas em todo lugar.
Tanto tempo depois, o pequeno garoto cresceu, e aprendeu na escola que as trilhas do gênio eram aviões passando pela linha do horizonte acima de nós. A senhora, levada pelas onda do oceano do tempo, hoje é parte de suas memórias. 
Às vezes, caminhando por trilhas em redor da cidade, olho para cima e por um instante reencontro aquele pequeno garoto. Ele, que ainda vive e se questiona sobre a magia que reina sobre o mundo, consegue me fazer crer por um momento que sim, o gênio está lá, bem no topo da coluna branca, observando o que fazemos cá embaixo. Paro por um momento e, antes de recomeçar a caminhar, penso que ela, aquela alma amiga e carinhosa dos tempos de infância na verdade é um dos gênios que voam por aí, ainda espalhando bondade com aquela mesma resiliência de sempre. Ao longe soa o latido de um cachorro e, desperto novamente para a realidade, continuo caminhando, em pazes com o pequeno que ainda sonha com as nuvens brancas do céu.

quarta-feira, 5 de julho de 2017

Perdão


Relógio a correr
Vida que se esvai como o sol ao entardecer
Crianças que crescem e se vão
Dias que se acabam e apenas memória agora serão

Um show onde a banda já se foi
Uma prova de escola onde não há chance de tentar depois
Trajetos para viagens que já foram feitas
Crimes solucionados depois de investigadas todas suspeitas

Portas destrancadas que lá atrás não se abriram
Mãos fortes demais contra aqueles que a elas resistiram
Erros de construção que a fundação inteira por terra fizeram cair
Olhos marejados buscando dar sentido ao novo caminho que são obrigados a seguir

Noites em claro pelo descanso a lutar
Sonhos velhos de criança que jamais realidade puderam se tornar
Medo e angústia ainda a perseguir
Tremores secundários que por toda parte ainda se pode sentir

Janelas que hoje ainda se quebram
Por explosões passadas que ainda reverberam
Trazendo consigo os uivos de outrora
Como se ele ainda estivessem presente aqui agora

Em meio a projetos e ruínas começo a entender
O lado sombrio que há em viver
Nessa dolorosa tarefa que é recomeçar
Quando terremotos passados suas bases ainda vêm minar

Minuto a minuto tentando de novo acertar
Cada sonho que aquelas mãos violentas sem piedade vieram roubar 
Ao mesmo tempo sabendo que aquilo tudo essas mesmas mãos tentam consertar
Respiro fundo e concluo comigo mesmo
Que o perdão não é um momento que faz todas tristezas apagar
É um exercício a repetir toda vez que uma bala perdida do passado vier a te alcançar

segunda-feira, 27 de março de 2017

Reconciliação





Como de um sonho acordar
E a primeira luz do dia poder contemplar
Como na pele o primeiro raio de sol vir a aquecer
Com o toque gelado do vento sentir a pele estremecer

Sair a caminhar
Pelas mesmas ruas de sempre com atenção contemplar
Incerto se é nelas que algo mudou
Enquanto não prestava atenção ao tempo que se passou

Aos poucos a cantiga antiga na cabeça deixa de ressoar
Surgindo espaço para que nova música venha a se apresentar
A escuridão e rigidez do pensamento aos poucos se desfazem
Como renovada na primavera se encontram uma verde pastagem

Um sentimento que ganha forma e força
Amor pela vida, não a antiga mas peça que ainda é moça
Quase invisíveis os fios podem ser vistos a se dissipar
Amarras entranhadas até o infinito que agora lá já não vão mais estar

Sem grandes sagas de aventuras, ou jornadas de herói
Apenas um cotidiano comum, onde a vida humana se constrói
E pela primeira vez em muito tempo gasto em memórias a visitar
O novo parece mesmo confiável, um amigo a abraçar

Assim se repensa a jornada pelo caminho
Sem obrigações ou febre pelo destino
Aonde depois de uma batalha que fez a base de seu universo se abalar
Passado, presente e futuro se reconciliam para novamente juntos caminhar

sexta-feira, 3 de fevereiro de 2017

Portas abertas



Risadas compartilhadas. Noite sem fim confabulando planos mirabolantes para o futuro. Videogame. Coreografias ensaiadas de dança. Cotidiano com pequenos atritos, detalhes da exposição diária mútua. Olhares trocados que são frases inteiras, e uma certeza apenas: a da ligação que existe ali, intrínseca à própria existência.
Entretanto, os anos passam, e a vida muda. Cabelos perdem a cor, rugas que surgem, alguns pequenos estalos na coluna ao se levantar. Compromissos, trabalho, responsabilidades. Tudo isso surge como um muro, que aos poucos vai se erguendo nesse mesmo cotidiano, antes tão simplificado em meros devaneios imaginativos.
Os quartos, antes vivos e cheios de mundos paralelos, se tornam recantos de individualidade, e cada um vive em seu próprio novo mundo, até que chega a hora de nadar em águas mais profundas. Seja na mesma casa, ou em outro lar. Outra cidade, outro país. Peças tragicômicas que o destino não cansa de pregar em todos nós.
Percebemos aquela pequena linha de distância se construindo, e nos adaptamos à nova realidade. Tentamos não sermos estranhos uns aos outros, e tentamos manter as mesmas risadas, os mesmos devaneios, aquela pura identidade que constitui o que se construiu juntos. Mas ainda assim, são dias sem se falar, semanas sem se ver, tudo por conta desse giro impresível que é a vida. 
O mais reconfortante, porém, é que, ao haver aquele lampejo de luz que é se encontrar de novo, percebemos que, naquele olhar envelhecido, se esconde a mesma infância perdida de anos agora distantes. Como um toque de mágica, as novas personalidade moldadas pelo tempo que se passou voltam a se abraçar, trazendo em si a vontade única de compartilhar tudo que se passou naquele meio tempo. 
Talvez a vida seja mesmo sobre caminhar e aprender. Sobre saber quando partir, quando enfrentar a estrada e os próprios medos perante os desafios que srugem ao longo do caminho. Encarar noites de chuva e temporais, e aprender a construir nossos próprios abrigos. Porém, nenhum desses momentos, por mais pomposo ou cheio de glória que seja, se compara ao amor contido em uma casa que está ali, de portas e braços abertos para te receber de volta. Pois nossos lares não são feitos de tijolos e pedras. Nossos lares são sem lugar e atemporais, porque eles se encontram naqueles que desde nosso nascimento aprendemos a amar. Porque eles têm aquilo que é o mais primordial para um lar: eles são e sempre serão onde realmente nos sentimos pertencer.