domingo, 23 de março de 2014

Cicatrizes



Mesmo após muito tempo, algumas vezes as marcas permanecem. Elas não saem, permanecendo como lembrança vívida dos dias passados. Toda as dores, lutas, e a superação que tivemos de passar se encontra ali, marcada como as linhas escritas em uma folha de papel. Mancham a pureza do branco, com formas difusas que contam histórias passadas, dessas que já se foram, e são contadas em livros de estórias à beirada da cama antes de dormir.
Heróis, vilões, todos eles surgiram quando as decisões se divergiram. Em meio àqueles dias tormentosos, a única saída possível era ir contra toda essa fonte de água amarga, qual rio que sai de um pântano carregando o cheiro da matéria orgânica que se decompõe. Medo, ansiedade, incerteza, e o desconhecido que pairava bem à frente.
Muitas dessas memórias são como fantasmas. Nos assombram à noite, esperando apenas que apaguemos as luzes para saírem do armário da memória, e nos lembrar de tudo como se estivesse acontecendo novamente. Estes são os traumas, pequenos seres ardilosos e malévolos, que se divertem em nos fazer repetir tudo de novo, e de novo, e de novo, como se estivéssemos presos a um ciclo interminável de sofrimento. São os ditos esqueletos no armário, que em nossos pesadelos apresentam sua dança infernal, em um frenesi estranho e louco, prontos para, a qualquer momento de nossa distração, levar consigo a nossa sanidade.
Mas, em meio a tantas formas de se olhar para nossas cicatrizes, existe uma que, talvez seja a única de não se deixar levar pelos monstros da própria consciência. É observar a beleza delas, e ver que elas são, em verdade, o fechamento de feridas que já há muito se curaram. São o fim do ciclo, o fim da luta, e são apenas o sinal daqui que aprendemos. A verdade é que, ao tentar removê-las, acabamos por abrir as feridas novamente e, por isso, vivemos tudo de novo. Ter marcas em si não deve ser nunca um sinal de vergonha. Significa que, a despeito de tudo que se passou, o próprio espírito conseguiu superar, seguir adiante e, na mais bela das possibilidades, foi capaz de perdoar. Nunca se sabe se haverá um milagre que possa levá-las embora, mas a verdade é que, quando voltamos a nos amar, meras cicatrizes se tornam apenas mais um detalhe bobo que, no fim das contas, ajuda a compôr aquilo que somos no dia de hoje. Por isso, ao invés de odiá-las, é melhor  aceitá-las e ver que nelas estamos nós, e tudo aquilo que nos causamos no passado.

domingo, 16 de março de 2014

Eterno



Cliques contínuos marcavam o silêncio. Nada mais fazia barulho, exceto o sussurro baixo da respiração, e o vento forte do lado de fora, como que querendo forçar a janela a acabar com a tranquilidade momentânea. Olhos fechados, enquanto a mente divagava além. Mente sonolenta, enquanto aquelas mãos passavam por seus cabelos, dando-lhe a tranquilidade de uma tarde em companhia.
Embora o relógio andasse, ela não dava atenção a isso. Já não havia mais manhã, tarde ou noite, sequer início ou fim. Só havia aquele momento, aquele exato instante, em que nada mais parecia ter relevância. Aquele sorriso de lado, maroto, quase que infantil, de uma criança que sabe que está fazendo traquinagens, e não tem medo nenhum de que os pais cheguem. 
Sem palavras, apenas olhares. Mentes que já falavam seu próprio idioma, e criavam seu próprio universo de possibilidades, enquanto o relógio insistia em tiquetaquear os segundos que corriam para serem apenas memória no futuro. Mas pouco importava, ele que rodasse o quanto quisesse. Era só uma voz chata e monótona, a clamar a mesma ladainha com a qual ninguém se importava.
Naquela tarde boba, sem grandes acontecimentos, ela aprendeu algo novo. Em meio às poucas palavras trocadas, mas cheias de significado, ela viu que em momento nenhum o tempo importava. Pouco importavam seus problemas, pensamentos duvidosos, a única coisa que havia era a certeza daquele momento. Do quanto ela se sentia bem, em paz, sendo honesta consigo mesma. Aquilo, com todas as suas pequenas conjunturas, era para muito mais além. Algo que não cabia na mera definição de momento e, por mais que tivesse a sua própria duração, era impossível de ser medida em horas. Se estendia continuamente, para dentro do infinito de revoluções que causara em seu espírito, perpetuando-se como propagação de ondas de calma e tranquilidade que por fim eram o que ela precisava para sarar aquelas feridas anteriores, que ela nem julgava ser capaz de serem curadas. Eterno é muito mais que para sempre. O eterno, ela aprendeu, pode e deve ser feito agora.

sexta-feira, 14 de março de 2014

Colisão


Junção, e o que era dois se torna apenas um
Círculos em volta de si, já não vão a lugar nenhum
Ressonância incontestável
Destino inevitável

Enquanto o universo gira em redor
Em verdade se torna, o que antes era apenas mito
Energia que aumenta, expande, cria
Luz pura, que vai até os confins do infinito

Duas anti-partículas que se tornam apenas energia
Frenesi de leis quebradas
A física novamente aqui se cria
Em uma casa antiga
Entre velhas paredes desgastadas

Em meio às sombras de matéria escura
Dois corpos que colidem, se encontram
Se evitam, se envolvem
Por fim se atraem, e juntos se engrandecem

E enquanto as órbitas convergem num encontro astral
Todo o universo brilha, é uma criação colossal
O espaço infinito que é lar agora
A incompreensão já não aqui habita
Ela há ficou do lado de fora

Explosões que rugem como tambores
Olhe, aquela luz branca é a junção de todas as cores
Fractais de almas que juntas se soerguem
Mudando tudo em redor, tirando da escuridão aqueles que os seguem

Mãos que se tocam
As asas crescem por trás das silhuetas
Mutações de uma criação divina
Código transformado, eles estão em cada esquina

Muito além de sua própria compreensão
Um calor de fogo vivo queima e leva tudo além desta dimensão
Espaço e tempo viraram para mim um pequeno origami
Ao qual sou capaz de dar as formas que eu quiser

segunda-feira, 3 de março de 2014

Comunhão


Tambores, e um conjunto de cordas que começam a ressoar
Vozes que clamam, sinceras elas se levantam
Braços que se erguem, lágrimas que descem
Joelhos ao chão, aqui todos se vêem como irmãos

Diminuto ponto de luz
Pela melodia seu coração se conduz
Em ondas de paz e harmonia
Cânticos de regozijo e alegria

Caindo em uma profunda devoção
O tempo pára
A eternidade é toda esta emoção
Um fogo que queima, e aquece todo o coração

Olhos que brilham
Bocas que constroem
O amor chegou por aqui
Como águas de uma corrente
Que banham as margens e estão sempre a seguir

Calma
Ritmo constante
E uma certeza do caminho a seguir
Por cima do que for preciso
E também os ouros ajudar a conduzir

Sem ser mestre, sem ser aprendiz
Apenas sendo um igual
Sem ser rei, sem ser servo
Apenas amando e edificando
Construindo lares para os perdidos da estrada
Pois sem termos uns aos outros
Já não seremos mais nada