quarta-feira, 31 de outubro de 2012

Dilema


Diante do espelho
Humano, imperfeito, é tudo que vejo
Encarei-me nos olhos
Fingi que não via
A verdade que era óbvia
Como a luz do dia

Estive a fugir
Estive a reprimir
O que sei que é real
O que sei que não é trivial
Mas não se prende uma fera
Nem se lembra do que não era

Quando vejo outras faces
Me pergunto o que seria desse desastre

Porque com o que já sou
Ainda diria me dirias "contigo estou"?
Ou apartarias, com o rosto em pesar
Deixando para trás, o que já pudemos compartilhar

Será que esta imagem
Se revelará não sendo paisagem?
Uma desconstrução do que na verdade é
E que já não é mais solo firme onde se pode pôr o pé?
O que seria?
Será que um dia me atreveria?

O limite entre o que é e o que deve ser
É, por exato, o que eu já não consigo mais transpôr
E quanto mais comigo você se entristecer
É que estarei no frenesi de meu puro amor
Mas nunca quis jamais escolher
Entre o que meu templo me levar a ser
E os que em meu redor estão a viver

domingo, 28 de outubro de 2012

Contra a corrente


Seguir o curso é uma tendência natural. Os rios seguem um curso, os ventos, até mesmo o tempo só segue em uma direção. Mas isso porque eles seguem firmes rumo ao objetivo. Estar na direção da corrente, em termos de sociedade, ideias e atitudes nem sempre é estar no rumo de nossos objetivos. A ideia atual é de que a maioria tem a razão mas, na verdade, o que se faz é tentar agradar o maior número de pessoas possível, e nem sempre elas têm razão.

Ter a capacidade de pensar por conta própria, e ter a coragem de decidir o rumo que se deve tomar é um ato de coragem, senão de sabedoria. Saber que acima do que nossa sociedade nos dita, existe o que realmente vai ser melhor para nós ou não, e isso é exercer o próprio senso de crítica. 

E, a partir do momento em que deixamos de seguir o curso tomado como padrão, começam os choques. Porque tudo que vem na direção contrária nos atinge e, neste momento, é que temos a percepção de para onde é que devemos ir. Porque multidões desordenadas são como bandos de pássaros: viram para esquerda, para a direita, retornam, e não têm sequer ideia do porquê.

Pedras, paus, e todo o entulho que estiver vindo, acertarão nossos corpos desprotegidos. Mas quanto mais se caminhar, mais se perceberá que é o rumo certo. O desafio é continuar caminhando, contra a tendência dita como sendo natural, porque se sabe que ela não o é. Muitos podem chamar de loucura mas, ao invés disso, talvez ela seja apenas um mero exercício de coerência. E isso, no final, irá definir se chegamos ao final da estrada onde estamos, ou se apenas voltamos ao início dela.


sábado, 20 de outubro de 2012

Avalanche

 

Acordo ao som do rádio
Me sinto dentro do estádio
O refrão que cola na cabeça
Poucas rimas, que me importa
Tudo isso é uma beleza
O ritmo é alucinante
Só quero o agora
Não me interessa o adiante
Porque eu iria me incomodar?
Eu não quero ter que pensar

Na rua sou ponto de um mosaico
Não me coloco, pertenço a esse cotidiano prosaico
As lojas são sereias a cantar
Me chamam e me naufragam neste mar
Mas por quê vou me incomodar?
Eu não quero mais pensar!

A TV é meu padrão
Sim, eu quero ser "patrão"
Pouco importa o que custar
Se minha casa desabar
Sou corrompido, porco e sujo
E isso é muito radical
Dentro de mim está a viver
O mais completo animal
Tomo minha pílula de insanidade
E vejo as belas luzes da cidade
Meu corpo é ponte para alcançar
Todos os prazeres que puder divisar
O que iria me incomodar?
Já desconheço o que é pensar

Alguém me guia pela mão
A vida louca é curtição
No baile funk, na moral
O estrondar é colossal
Altas horas sem limites
Carro e som, "these are my cities"
Corra rápido venha ver
O fogo no qual estou a arder
Chama louca a me consumir
Queima e leva, me faz partir
E eu já não vou mais me incomodar
Não sobrou "eu" para pensar...

terça-feira, 16 de outubro de 2012

Rompimento


Há aqueles que sabemos que perdurarão em nossas vidas por todo e qualquer momento. São parceiros, uma extensão de nós mesmos, pois sabemos que são nosso apoio nos momentos difíceis. Esses irmãos que ganhamos na terra representam o real de sentido de formar um só corpo, em um só espírito. 
Há, no entanto, os que partem. Seja pelo motivo que for, levam um pedaço de nós. Porque cada relacionamento que vivemos, seja de amizade, amor, família, todos eles envolvem entrega. Dedicação e abnegação que nos levam a, de certa forma, nos vermos no outro. Compartilhar com ele um futuro que, quase sempre por erros de ambas as partes se corrompe e se quebra no chão em estilhaços que se espalham por todo lado. A perda é para ambos, porque ambos viveram o mesmo. Impossível dizer com palavras o que só o coração sente. Aquela dor irreparável de perder o que se amava.
Tentar recuperar se torna uma arte abstrata de recriar com riscos uma tela clássica. Branco sobre o branco, é o vazio deixado pelo que foi embora. E, aos poucos, a dor vai se assentando, e você começa a entender que nem todas as coisas foram feitas para ser. E mesmo as que são dependem do livre-arbítrio, nosso e o alheio, o qual não depende de nós.
Assim, amar é correr o risco de ser ferido bem onde mais dói. Seja como for, o amor nos expõe aos cuidados e descuidados dos outros, que já não mais outros, somos nós refletidos em outra forma, outra face... E esta imagem, que muita vezes é tida como incorruptível, é que deve ser trazida às bases da realidade, antes que mostre seus detalhes imperfeitos, e eles cresçam tornando todo o conjunto irreconhecível. Porque toda escultura embasada em meios materiais se perde com o tempo, mas a palavra vivida, esta é para sempre.

quinta-feira, 11 de outubro de 2012

Dama de cachos amarelos

 

Vi-a por um momento
A encantar qualquer vista
Era este o seu talento
Cachos caindo sobre os ombros
Olhos espertos, um leve sorriso gentil
Pele branca de areia
Uma singela graça que tudo em seu redor permeia
O que vi, ainda não compreendi
Ocupamos um mesmo lugar
Embora em tua memória, eu não vá ficar
Cotidiano, nos fizeste assim
Em um momento, estavas ali
Virei-me para escrever, e já não mais te vi
Qual relâmpago fulgaz, passaste, me surpreendi
O que agora é passado, ainda está impregnado em mim
E ainda que estes versos lesse
Não saberias que são para ti
Sem nome, sem nada
Como um passageiro colibri

terça-feira, 2 de outubro de 2012

Tempo certo


É preciso agir, buscar aquilo que desejamos. Alcançar as pessoas quando preciso e, também, os nossos objetivos. Lutar, porque sem luta não há vitória. Mas, em meio a isso tudo, existe a profunda sabedoria que é a de saber esperar o tempo certo das coisas.
Nem sempre o que queremos vem no tempo que queremos. Nesses momentos, é preciso confiar e entender que, apesar do nosso entendimento dizer que agora é o momento, estamos errados. Em uma sociedade em que a velocidade dos acontecimentos é agressivamente crescente, é difícil lidar com a realidade de que a vida não é assim. Muito além de nossos planos, ideias e ações, está o curso que tudo deve seguir, e este não se altera segundo os nossos desejos.
Aí está a perfeição da vida. Nos ensinar sem precisar se alterar para tanto. Talvez uma das mais valiosas lições que podemos aprender quando temos de lidar com pessoas. Cada uma tem seu tempo e, dentro dele, irá reagir. É preciso ação constante, mas com a devida paciência de quem sabe que todos temos nossos limites. 
Cada ação nossa deve ser executada com a plena consciência da tênue linha que existe entre a preocupação e a incompreensão. Amar é, também, saber esperar. E isso podemos ver todos os dias, porque existe alguém que está a esperar pela nossa mudança, com a sabedoria de quem sabe que isso vai acontecer de forma natural, alguma hora, por nossa vontade, quando crescermos e soubermos um pouquinho mais do que é realmente melhor para nós.