segunda-feira, 28 de dezembro de 2015

Incêndio




Meio da noite, conversa de pé de cama
Palavras sobem ao vento
Seu som lambe e arde como no fogo as chamas
Entram pelos ouvidos, descem até os pulmões
Secam a garganta
No peito trazem palpitações

As mãos tremem e falham
E os olhos perdem a visão por um momento
Enquanto aquele calor machuca e destrói
O corpo tenta sair daquele tormento
As lágrimas rolam pela face
Tentando conter o incêndio
Que se espalha por toda parte

São labaredas vivas e com consciência
Queimam cada memória
Tentam alcançar até a fonte da pobre inocência
Ao fim o que sobram são cinzas e pó
Galhos secos no campo estéril
De uma pobre árvore que jaz só

Nos olhos restam ainda aquelas brasas
Que perdidos e sem entender
Têm agora medo de céu acima estender suas asas
E naquela solidão de vozes a lamentar 
Surge a revolta por tamanha injustiça
A dor de um vazio que não se sabe com o quê completar

Buscando naquele refúgio antigo
Momentos de infância distante
Onde não parecia haver perigo
O ar sufoca, e o calor é insuportável
Pois mesmo no passado que parecia feliz
As chamas já faziam de tudo cenário lastimável

Em todo aquele tempo de sílabas proferidas
Que crepitavam qual fogueira veroz, mas não inimiga
Estava o rancor, tanta raiva escondida
Que agora por desonra e decepção
Em meio a gritos de socorro e desespero
Tentam agora consumir mair um outro coração

quinta-feira, 17 de dezembro de 2015

Significado


Horas noite adentro
E com o pensamento aceso
De amor padece o corpo sedento

Como ecos na montanha
As palavras ribombam e voltam
Crescem nos vales logo abaixo
São imagens que não se vão, apenas ficam

Sem reação, sem uma possível ação
O verde do gramado parece fosco
Enquanto sem norte procuram saber onde estão
Aqueles tremores de tristeza
Vão e vem sem piedade
Abalam por inteiro na alma sua beleza

Não posso dizer quando surgiu tanto ódio
Cru e insano
Que quer apenas sangue para enfeitar seu pódio
Como conseguir compreender
O que faz questão de não ter explicação 
Mas se arremete contra a porta fazendo-a ceder?

Mas de certa forma tanta raiva
Cega, gratuita
É a sombra que mostra aonde é que a luz estava
São caminhos que se distinguem
Dentre quem chora parado
E que alegrias em sorrisos novos finjem

Aquela decepção, tristeza e perda
Tão dolorosa, massiva
Serve de norte onde quer que se esteja
E em algum quando essa tristeza for passado
Num dia em família, ou sozinho em casa
Essas lágrimas de agora é que a tudo darão significado

terça-feira, 8 de dezembro de 2015

Memórias vivas



Primeira marcha engatada
O ronco do motor que dá partida
As rodas começam a se mover da garagem pra rua
A sombra da árvore no jardim abraça em despedida

A rua com os mesmos buracos de sempre
Os vizinhos a conversar em mais um dia
Bolas batendo nos muros das casas
Papagaios sendo perseguidos bairro afora

Os uniformes e as mochilas novas
Os gritos no pátio da escola
As histórias imaginadas
Brincadeiras em conjunto sonhadas

Aquele primeiro amor de escola
Que ingenuidade, tanta dúvida por nada
A praça com seus idosos a ver a beleza dos dias passando
O côro da igreja ouvido de dentro do quarto

A casa do amigo mais querido
Soluços de um choro no travesseiro escondido
Escuridão de dias envoltos em relâmpagos
Mãos dadas, em esperança entoam cânticos

Na visita ao interior, os córregos saindo da mata verde
No quintal da fazenda vinha o cachorro a celebrar
Como é clara a memória daquele dia
Em que no lago ele pulava sem parar

As linhas da estrada passando sem se deixarem ver
Fechando novamente os olhos
Dá pra ouvir o vento vindo sem esmoecer
Brisa leve daquele inverno
Que foi quente e tão terno

De repente voltando ao presente
A conta de onde se está vem a chegar
Um meio sorriso vem a se esboçar
Ao sentir aquela doce sensação de ali estar

Em paz pela certeza conservar
De que o que era bom do passado
Ainda que somente no coração a pulsar
Perdido não se foi, pois para sempre lá está
Como presença viva a nos acompanhar

domingo, 6 de dezembro de 2015

Realização


Ouvimos muitos dizendo que devemos viver a vida dia após dia. Uma nova batalha por vez, um novo desafio sem se preocupar demasiadamente com o porvir. Quando mais novos, não entendemos exatamente o que querem dizer com isso, afinal de contas, como agir sem esperar ou se preocupar com o que irá acontecer no momento posterior ao atual?
E então começamos a crescer. Como pessoas, como filhos, como amigos, ou até mesmo parceiros para a vida. Criamos objetivos, e vemos as investidas diárias contra aquilo que construímos, seja dos imprevistos sorrateiros cotidianos, ou até mesmo daqueles que não compreendem nossa jornada. E vamos nos livrando deles, um por um, com maiores ou menos dificuldades, enquanto cada etapa de nosso sonho se concretize.
Ao final, entendemos pela vivência o que tanto nos foi repetido. Vemos o quão importante é deixar, algumas vezes, a dúvida de lado e simplesmente seguir, crendo em uma certeza quase que fantasiosa sobre o futuro que queremos construir. Vemos que nossas mãos, agora já calejadas pelo trabalho intenso, são a memória que lembraremos dos dias difíceis sem as certezas que almejávamos. 
Porém, talvez o mais importante de tudo seja entender que, por mais difícil, dolorosa e triste que seja uma jornada, nada e nem ninguém pode conseguir nos transformar a ponto de que, quando conseguirmos respirar o ar puro de dias de paz, não tenhamos mais espaço no nosso interior para vivenciar aquele novo momento bom. Se não deixarmos nossas mágoas, tristezas e desapontamentos fora, viraremos estátuas amargas perante os caminhos da vida, apenas a contemplar o horizonte, sem mais almejar alcançá-lo. Libertar-se do passado, retendo apenas as lições que ele nos deu é não apenas ter maturidade de espírito de entender o que devíamos aprender, como também a chance que nós mesmos nos damos de sermos felizes. Ainda que apenas naquele segundo, naquele breve momento antes da próxima tempestade. O que é importante, é que ele exista, e nele sintamos que estamos completos, por vermos nosso coração e espírito naquilo que criamos para nosso presente. Quando isso acontecer, todas aquelas lágrimas derramadas valerão a pena, por terem sido a água a regar as flores nos campos verdes que cultivamos. 

quinta-feira, 26 de novembro de 2015

Fortaleza



Algumas histórias começam belas. São lutas compartilhadas, dias sob a chuva a martelar pregos sem fim, para que no final a obra esteja completa. Ali são construídos muros, prédios, fortalezas... Todas coisas que parecem intocáveis, belas, imponentes. Olhamos felizes para elas, e admiramos cada pedra encaixada em seu devido lugar.
Ao seu final, cada um vai para sua própria casa. Conta de como foi árduo o trabalho, de como se teve a ajuda de tantos outros para erguer tão bela obra da arquitetura, enquanto a lenha crepita na fogueira. E por dias a fio vamos dormir com aquelas imagens a colorir os pensamentos, e a confortar nosso sono, alimentando sonhos que remontam ao dias ali vividos.
Até que um dia voltamos àquele mesmo lugar. Voltamos e vemos que o tempo passou, a tinta desbotou, e alguns buracos inclusive surgiram no telhado. Voltamos e vemos que ainda há beleza nela, mas falta algo. Nos perdemos por um certo tempo tentando entender qual o motivo daquela falta de familiaridade, já que almas e corações se uniram para fortificar aqueles lugar. 
Então, por um momento, a resposta vem. Tão óbvia que dói como um soco tomado diretamente na boca do estômago. Aquela solidão, aquela falta de sentido, aquela sensaçã de distância, tudo aquilo tinha um motivo. Aquele lar, tão eficiente outrora em unificar amizades, e criar aquela sensação incrível de família com outros que só viemos a conhecer posteriormente, foi apenas uma ilusão. Foi um castelo medieval construído apenas para existir, mas que tão logo terminado, foi deixado com suas bandeiras hasteadas. 
Aquela grandeza toda, outrora símbolo de força, união e companheirismo, hoje é apenas um lembrete de pedras e areia sobre a saudade que ficou. Uma saudade que sabe-se lá até quando irá durar, pois aqueles que o levantaram do chão ainda estão com seus pensamentos ocupados demais pela ideia da existência de um lar construído em conjunto, que esqueceram que pedras e areia só são um lar quando existe quem habite dentro dele.

segunda-feira, 16 de novembro de 2015

Pedras na areia



A batida ribomba mesmo de olhos fechados
O vento sopra fantasmas que se escondiam no armário
Quando que a vida ficou assim vazia?
Sem nada para escrever sequer um diário?

Porque os pés são pesados
Assim como a própria forma da alma
É um preto e branco sem graça
Tudo envolto numa morta e sem vida calma

As cores do horizonte são sangue que chora
Refletem em meus olhos um sentido que se foi
Mesmo as coisas boas de antes
Já as quero deixar para depois

O frio que sinto não é mais o dos dias de inverno
Ele está aqui no verão, outono e primavera
Se tornou diário e constante
Ficará por mais de uma era

Tantos rostos indiferentes na rua em redor
Quando foi que diminuí e sumi
Me perdendo em meio a linhas de um quadro invisível
E toda alegria é lembrança que não vai se repetir?

Olhando as belas formas de uma mansão bem acabada
Entro pelas portas de um casarão à moda antiga
São paredes sem som, escuras
São poeira decorada, que agora me suga a vida

Fechando os olhos, elas vêm sem que eu queira
São imagens de risos, imagens de dor
Foram aqueles dias em que o espírito percebeu
Que se havia entregue a um traidor

E quando o dia nasce, não parece mudar o que virá
Pois rotinas não são construção
E para um coração antes aventureiro
A mesmice é um fim em solidão

Naquele triste momento
Os olhos encontram no espelho
Um poço agora sem fundo
Até a água limpa se retirou daquele desespero

Talvez um anjo mítico venha a chegar
Fazendo o que dizem nas canções hoje sem sentido
De que no espelho não existe um fantasma
Mas sim alguém por quem será melhor ficar que se ter ido

Até esse dia, ainda que não por escolha
As folhas terão esse tom de sépia
As horas passarão devagar
Congelados como pedra
Estarão meus desejos a te esperar

quinta-feira, 5 de novembro de 2015

Irmãos



Eles nascem conosco. Antes ou depois de nós. São adotados em orfanatos, ou os conhecemos ao longo da vida. São aquelas pessoas cujas palavras se fazem em um olhar apenas, onde frases inteiras estão codificadas. 
Riem conosco, ou riem de nós. São tempos divididos nas brincadeiras em casa durante a infância, tempo na casa dos outros dividido entre fazer os trabalhos da escola e encontrar algo melhor para fazer. São confidência, até naqueles momentos em que cometemos nossos pequenos delitos caseiros. 
São união, força e motivação, naqueles períodos complicados, em que não sabemos direito o que fazer. São luz de esperança quando caímos em becos escuros, e nos lembram de tudo que podemos ser, e da vida que podemos ter. São consolo para as lágrimas quando o coração se parte devido às mais diversas intempéries da vida.
Eles são iguais a nós, ainda que cada um tenha suas particularidades, suas próprias dúvidas, anseios e sonhos. Mas todos temos limites e problemas, que, quando nos damos as mãos, se tornam apenas etapas que iremos superar. Quando nos abrimos e permitimos que eles se acheguem e nos consolem, percebemos que a nossa condição humana é, antes de tudo, um presente. Um presente para que possamos aprender, dia após dia, a amar, a acreditar, a perdoar, e também a ter esperança. À medida que crescemos, vemos que eles não são apenas memória dos dias de infância, de escola, ou de quaisquer outros lugares que já fomos juntos. Sempre que os reencontrarmos, veremos que na verdade, irmãos são para sempre.

domingo, 1 de novembro de 2015

Amanhã



Existem ao longo da vida inúmeros desafios aos quais vamos sendo expostos. Problemas pessoais, de ordem social, econômica, amorosa... Tudo envolto por situações problemáticas nas quais nos envolvemos, ou até mesmo as criamos sem perceber, e então passamos a desejar ardentemente pelo seu fim.
Buscamos ajuda, e muita vezes a encontramos. Em outras, porém, caímos em armadilhas atraentes oferecidas por promessas de auto-ajuda, nas quais somos naturalmente fadados a encontrar o sucesso, em algum dia amanhã. E é exatamente nessa promessa do amanhã melhor que mora um dos nossos maiores perigos: a conformidade. 
Esperança é um dos sentimentos mais puros e nobres que podemos sentir, mas quando ela é irracional, vivemos suspirando frases belas e bem-construídas de que tudo será provido, e de que basta apenas continuar agindo como se tem agido, para que tudo melhore. E assim os dias vão passando, e não percebemos que, justamente por nossa persistência em continuarmos iguais, os problemas não acabam. 
Caímos por fim num círculo vicioso, no qual passamos dias a fio esperando pela alegria do amanhã, sem perceber que todo novo dia que se torna o hoje, ainda estamos tristes. Tristes com a vida, com aqueles que amamos, com nós mesmos... Nossa fé e visão estão tão focadas numa possibilidade futura de alegria plena, que perdemos a noção de que felicidade não é uma recompensa ou destino final, mas sim o aprendizado de amar aquilo que se tem, onde se está e com quem se está. E isso faz com que, todos os dias quando o sol nasce, vejamos apenas a sombra eclipsando a luz que chega, sem perceber que ela na verdade é apenas a projeção pesada e imóvel dos nossos próprios pensamentos.
Seja no pântano ou na praia, há luz do sol que chega lá. Seja no sucesso ou no fracasso, há sempre um trecho a mais de caminho para percorrer. Talvez pudéssemos ser muito mais felizes, e alcançar muito mais obras gratificantes, se focássemos menos em anunciar para nós mesmos e o mundo nossas esperanças vindouras, e gastássemos esse tempo na mudança. Mudança de vida, de caráter, de hábitos. Porque somente com a construção e descontrução diária daquilo que somos, abrindo nossos corações para serem moldados pelas mãos do destino e da vida, é que começaremos a abrir os ouvidos do nosso espírito para saber se estamos no rumo certo, e encontrar a tão desejada alegria no coração. Nem amanhã nem depois, porque se deixamos tudo isso para o futuro, não é de se surpreender que o presente seja tão amargo e doloroso de se lidar.

quinta-feira, 8 de outubro de 2015

O inferno são os outros


Racista. Homofóbico. Elitista. Machista. Hoje em dia é quase impossível entrar na internet sem se deparar com alguns "istas" por aí, espalhados por todos os cantos. Os erros são colocados para serem caçados e exterminados, como aqueles velhos bandidos de clássicos filmes de faroeste. Tudo parece estar seguindo rumo para melhorar, já que estamos apontando aquilo que está errado em nossa socidade. Um post errado no Twitter, e você é o meme da semana, o babaca da vez, o boneco de Judas do ano a ser malhado.
É sensacional saber que hoje em dia existem muito mais direitos com relação a mulheres, homossexuais, negros... Tudo isso faz parte de um processo de evolução da vida em sociedade que na verdade só traz benefícios pra todos nós. Porém não é totalmente certo que apenas essa postura de vigilante social servirá de solução para seguirmos rumo a um futuro melhor. 
Estamos tão ocupados cortando os males do conservadorismo que mal paramos para ouvir o que nós mesmos estamos dizendo. Ou o tom que estamos usando. O que importa é calar o mal, extirpar o mundo desses preconceituosos da Idade Média. E então surge a contradição entre defender a reeducação daqueles menores infratores da periferia, e não ter a paciência de explicar a alguém a importância de um governo que não seja influenciado por um grupo religioso. Estamos tão ocupados em ser diferentes, que não percebemos que já nos tornamos iguais, apenas com outros alvos, outras desculpas, outros princípios morais.
É preciso garantir que todos tenhamos os mesmos direitos e sejamos tratados de forma igualitária. Isso é uma questão urgente, tão urgente quanto o era cem anos atrás. Mas enquanto apenas os outros forem o problema, e nós formos os integrantes de grupos seletos destinados quase que por natureza a purificar o mundo do mal isso será apenas um sonho futuro. A linha que define justiceiros e heróis é separada por sua capacidade de lidar humanamente com as pessoas mesmo em situações adversas, naquelas em que parece que tudo está meio turvo e escuro. Não podemos nos esquecer que estamos lidando com outros seres humanos, com suas histórias, suas ideias e crenças, e que não temos o direito de agir simplesmente como que perante a um monstro execrável. Ao contrário de como agimos no dia-a-dia, o inferno não são os outros. Não podemos nos esquecer de ser humildades, reconhecendo a nossa posição dentro desse mundo, tão miserável quanto a de qualquer um dos montros "istas" que tanto insistimos em perseguir. No fundo daquela pessoa horrível que figuramos, existem luzes que podem brilhar, e flores que podem vir a surgir e gerar frutos. Tudo depende de como a tratamos, e de como cuidamos da terra em seu redor.

quarta-feira, 30 de setembro de 2015

Morte



O fim. Uma passagem. Um novo começo. Muito se diz tentando lançar uma luz à incógnita que é o final da existência humana, enquanto permanecemos apenas tendo nossas próprias crenças a respeito do que acontece após deixamos nossas vidas para trás, ao final de uma dentre tantas outras histórias vividas nesse nosso planeta. 
E justamente essa incerteza nos inquieta o pensamento toda vez que nos lembramos desse destino inevitável que encara a todos nós. Não ter ideia do futuro é uma situação pela qual nunca gostamos de passar, pois de estarmos acostumados a termos nossas garantias, nossa margem de segurança, tamanha incerteza se mostra como uma avassaladora prova de nossa incapacidade de controle sobre nossos próprios caminhos. 
Mas talvez ao longo de nossa própria vida sejam dados sinais do que seja essa experiência. Desde criança nos encontramos em situações ditas como estáveis, até que tudo deixa de ser como era, e se transforma. São etapas que começam e terminam, muito frequentemente a nosso contragosto. Queremos continuar na mesma escola, com as mesmas pessoas, ou na mesma faculdade, ou na mesma casa onde se cresceu.
Porém, após passarmos pelo processo de início de uma nova etapa, e voltamos aos lugares onde estávamos antes, vemos que algo ali não é mais o mesmo. Após nos formarmos, voltar à escola é uma experiência muito estranha. Entramos em um lugar que conhecemos como a palma de nossas mãos, mas não estão mais ali aqueles que conhecemos. Mesmo alguns de nossos professores já deixaram seus postos. E então entendemos que nosso tempo ali acabou. Deixando saudade, mas acabou. Mesmo que permanecêssemos ali, no fundo saberíamos que nosso tempo passou. As cadeiras não são mais as mesmas, As salas estão pintadas de cores diferentes, a própria atmosfera do ambiente se transformou. É uma etapa que não nos cabe mais vivenciar.
Talvez seja isso a vida. Uma grande etapa, na qual não temos muita ideia de quais serão nossos rumos no futuro, mas que devemos explorar em todas as suas possibilidades, para que ao final tenhamos aprendido o quanto pudermos, e cultivado tantas sementes quanto conseguirmos. Assim como não tínhamos ideia do que nos aguardava quando éramos mais novos, talvez só devamos saber mesmo o que acontece ao finalizar o que temos por fazer agora. Se há algo que o tempo nos ensina enquanto crescemos, é que ele definitivamente não tem pressa alguma.

sexta-feira, 25 de setembro de 2015

Ervas daninhas


Eles estão lá. Em seus lugares, em seus trajetos. São formas distintas no meio dos relevos pelos quais transitamos, e que muitas vezes por repulsa infundada queremos evitar. Criamos desculpas, mentimos pra nós mesmos, e fazemos de conta de que nenhum deles é digno de nossa presença.
Mas um dia, um dia apenas sequer, no qual abrimos o coração para ouvir e entender, sermos pacientes permitindo que nossos olhos vejam além da superfície espinhosa, veremos vasos de vida que levam pulso de verde por dentre aqueles seres. Veremos que aquela luz que tanto procuramos, que nos dá razão para existir e sermos felizes, está bem ali, tão perto, mas tão longe quando ignoramos a natureza bela da própria imperfeição humana. 
Muitas pedras são atiradas antes de sair uma bandeira de paz. Muitas vezes, tantas pedras já foram atiradas contra aquelas paredes hoje insensíveis, que é isso exatamente que as fez se tornarem assim. E portanto, são a única coisa que conhecem. Suas vidas foram simplesmente barro e rocha, enchente e seca, flechas ou fogo ardente. Não tiveram a chance de conhecer sequer a si mesmas, pois ouviram tanto sobre o que deviam ser, que ao olhar no espelho vêem apenas metas, normas quebradas e porções de decepção regadas por noites chorosas odiando a si mesmos.
E nesse mar de plantas urtiguentas, que aos olhos incautos só sabem exalar nada além de venenos e espinhos, vamos nos arranhando. Algumas vezes chega a doer estar em contato com elas, mas vamos ficando mais fortes, e aprendemos que ao nos machucarem, elas se machucam também. Ao querer tirá-las de perto, quebramos suas bases, as jogamos abaixo, desterrando no chão.
Mas estando quietos, fechando os olhos por um momento para aquilo que nos desagrada ver, e buscando chegar àquele caule verde de vida que sabemos estar ali dentro, pouco a pouco vamos ajudando-as a livrarem-se de suas folhas velhas, rotas, cujo peso puxa para o chão. Abrimos uma clareira amiga para ambos, onde podemos nos deslocar, e elas podem crescer. São palavras amigas no começo do dia, um diálogo onde elas podem deixar suas angústias vazarem de seus corações sobrecarregados. Nâo é preciso ser um super-herói para entrar nos prédios em chamas nos quais os outros vivem, ou chegar a uma estação de metrô onde alguém pode estar olhando para o trem não como o começo da próxima viagem, mas sim como o fim de toda esta a que está preso agora.
Regando dia após dia essas tão odiadas ervas daninhas, essas sarças queimadas pelo sol escaldante de tantos meio-dias, podemos até não poder nos servir de seus frutos quando eles estiverem maduros. Talvez o que precisemos aprender nesta vida é exatamente isso. Que nem todo nosso trabalho tem de resultar em ganha-pão no final do dia, que nem todo fruto é ruim apenas porque não serve a nós mesmos, e que estamos longe de saber quais destas ervas ditas daninhas realmente o são. Muitas vezes elas são apenas um amigo que precisa ouvir um "não está mesmo tudo bem, mas vou estar contigo até que fique". Nessas horas de paz que flui para onde ela se ausentou, é que cumprimos nossa tarefa mais sublime possível nessa existência: salvar vidas. E se em algum momento chegamos a ter um vislumbre do que pudemos fazer, toda aquela coceira e repulsa de antes se tornará apenas uma motivação e indicativo de que na verdade, finalmente tomamos o caminho certo.

sábado, 12 de setembro de 2015

Paz



São as noites em claro
São os dias que o céu se fez apagado
São reflexos estranhos que serpenteiam no céu
É meu pensamento que circula livre ao léu

É chiado de música tocada em disco de vinil
É o ar molhado de chuva no começo de abril
São as telhas de uma casa na beira da estrada
É ruído na mata de uma formosa cascata

São rebanhos que vagam tranquilos pelos pastos
São sapatos já usados, seus solados por completo gastos
São acordes e notas em um violão
São sentimentos pulsados, intensos no coração

São cores do fim do entardecer
É a brisa fria que faz o corpo se encolher
São de reflexos de lua em água ondulada
Beijada pelo vento, tem a pele arrepiada

São palavras que nascem no papel
É canto harmonioso, que vem da praça entoado no corel
É tarde de domingo que tem almoço em família
É casa nova, com uma simples mobília

É silêncio a dois
É deixar o trabalho pra depois
São olhos frente a frente
É alma livre que caminha independente

São suspiros de saudade
Sem relutar o presente em psicológica calamidade
São raios de sol num parque verde
São fotos alegres coladas na parede

É lição passada sem desnecessária austeridade
Correção amiga, em tom de amizade
São papéis dobrados, guardados na gaveta
Um prato de comida presenteado à sarjeta

São mil formas que permito em mim existir
É adeus ao que se vai, sem se machucar ao resistir
Amar de corpo e alma, sem pensar no futuro porvir
Em tudo isso se encontra aquela velha amiga tranquilidade
Podes crer nestas linhas, pois não se trata de meia verdade
Pois ao aceitar tudo como é, de amiga se faz a realidade
E então se conhece a verdadeira face, dessa tão falada felicidade

sexta-feira, 4 de setembro de 2015

Perdão


O sol se pôs, nasceu de novo
Estávamos lá, mas já nos perdemos em meio ao povo
Foram horas que voaram para muito além
Foi um "adeus, fique bem também"

Mas ainda que seja agora um tempo passado
São ideias sobre as quais ainda tenho pensado
Aqueles sonhos que no papel desenhamos
Bobos, de criança, como nossos olhares quando nos encontramos

E mesmo que hoje o silêncio impere
Trazido pela vida e suas intempéries
Volta e meio me lembro dos dias ao sol no parque
Antes daquele adeus logo antes do embarque

Uma memória boa, um calor no coração
E essas milhas que talvez um dia desaparecerão
Pois ainda que não muitas, parecem ter se feito imensidão
Ou talvez seja pura bobagem, uma mera e tola ilusão

São as palavras de uma memória vivente
Lembranças de um dia ardente
Agradecidas por termos nos encontrado ao final 
E sentindo-se culpadas por não terem acabado ao sinal

Certas formas não se perdem tão facilmente com o tempo
Voltam em dias calmos, com pouco vento
Entram pela porta, sussurram ideias de verão
Ainda que no inverno, as horas agora passarão

Então por ainda ser ouvir os ecos vazios das montanhas
E olhar para as chaves que abriram portas agora de volta estranhas
E olhar para as linhas de uma desconhecida nação
De onde veio arrebatadora aquela voz que falava do coração

Beijo o vento, e abraço a luz do sol
Perdoando o encontro de dois em um
Sabendo que onde não estão dois, não vive nenhum
E esperando que nas palavras desta línga irmã
Se encontrem frases que façam surgir uma vida sã

quarta-feira, 26 de agosto de 2015

Traumas




A mente é um mundo à parte. Tem suas regras, que ainda nem sonhamos em compreender. As memórias, seja lá onde elas são guardadas, por vezes permanecem num ciclo de processamento que não é tão simples quanto guardar arquivos na gaveta. Porque muitas vezes, no fundo, não é possível saber exatamente onde é que devemos arquivar certos fatos.
Algumas experiências são intensas o bastante pra que as memórias pareçam ir e voltar, e as vemos várias e várias vezes, como um filme cujo final não conseguimos entender, e buscamos encontrar a resposta. Mas não de uma forma sequencial, com nós mesmos apertando o botão pausar e avançar conforme nossa vontade. É uma mistura aleatória de fatos e outras imagens criadas, como que a complementar os buracos que faltam. 
E por muitas vezes nem dá pra notar que elas estão lá. Mesmo quando se diz que se superou, lá no meio do oceano da consciência está aquela ilha de escombros deixados por um furacão trazido pelo destino. E vamos levando, achando que se trata de apenas um mero elemento novo da nossa paisagem como seres formados e conscientes. Porém, dizendo de uma forma até um pouco clichê, realmente se trata apenas da ponta do iceberg.
Então começa a luta por organizar todas aquelas experiências, toda aquela dor acumulada, que se tornou expessa como um machucado mal-cicatrizado e, ao primeiro toque, jorra tudo para fora outra vez. É quase que uma cirurgia, feita aos poucos, limpando, aplicando remédios que tragam alívio e cura, e continuando, experiência por experiência, até que por fim tudo tenha ido embora. O problema é que, ao lidar com isso tudo sozinho, não se sabe ao certo como agir. Quando fazer uma pausa, reconhecer que é preciso ir mais fundo, e quando finalmente parar. O que fazer com tudo aquilo que sai, porque memórias são memórias e, diferentemente de uma inflamação, não podem ser simplesmente lavadas para fora de nós mesmos. 
Com o tempo passamos a aprender a conviver com elas, aceitando-as como amigas e professoras de nossas próprias vidas. É um processo lento, doloroso, e que no começo assusta pela grandeza que motra possuir. Quando se passa muito tempo apenas irrelevando fatos que notoriamente mexem com os pilares do próprio espírito, o maior medo é que, ao começar a retirar tantos escombros, toda a estrutura não venha junto abaixo. Mas o mais importante de tudo é aceitar que, mesmo sendo um trabalho árduo, um tanto quanto solitário e doloroso, retirar velhos esqueletos do armário é a única maneira de abrir espaço para alojar coisas novas. Sejam elas conquistas, sonhos, ou simplesmente novas decepções, que também não deixaram de vir. Mas, ao menos, ao encará-las, estaremos em paz novamente.

domingo, 23 de agosto de 2015

Lembranças



Estar em lugares diferentes, onde dias ora passam num piscar de olhos, ora parecem durar semanas, num correr de horas que depende daquelas variações de seu estado de espírito. Independente de lugar, algumas vezes tudo que queremos é um tal "onde e quando", e até mesmo um "quem", que já foi motivo daquele calor vivo dentro do peito.
O tempo tem dessas brincadeiras. O destino traz e leva coisas e pessoas. Escolhas são feitas, e algumas delas se revelam posteriormente como sendo erros, erros que têm mil e uma consequências para aqueles que rodeiam o autor da ação. São esses desdobramentos que geram as reações de raiva, angústia, tristeza e até mesmo ódio, turbulências na superfície da alma que são prova da mudança ali lançada.
Porém, ainda que a pedra continue dentro do lago, o tempo passa e as ondas somem. Aprendemos a conviver com aquela nova parte de nós, e voltamos a refletir a bela natureza em nosso redor. Ainda que hajam esses momentos turbulentos, vemos novamente o azul do céu em nossos olhos quando nos olhamos no espelho, estando prontos para o passo maior de todos: o perdão.
É nesse momento sublime, simples e que nem requer palavras até, que uma série de imagens começa a se desdobrar em nossas mentes. São raios de sol que aquecem a alma provando com sua luz que a maior evidência da superação é que lembranças antes doloridas hoje vêm trazer um sorriso no rosto. É o amor em sua manifestação maior, nos trazendo de volta, ainda que só através das experiências e lições que aprendemos, aqueles que de alguma forma ainda amamos, ainda que nunca mais possamos vê-los novamente. E só isso já é um bálsamo de paz incrivelmente poderoso, como que uma nova luz no meio da escuridão.

quinta-feira, 20 de agosto de 2015

Leveza


São flocos pelos ares
Cânticos de sereias pelos mares
São asas batendo pelo céu
São barcos a vela que navegam ao léu

São folhas carregadas no vento do outono
São a face tranquila que se tem ao pegar no sono
São águas claras de uma piscina natural
É sede saciada quando se chega ao manancial

Pingos de chuva batendo em um balde no chão
Riso de criança que giro segurando pela mão
Papéis em branco que esperam a história vindoura
Formas no tecido dadas com uma tesoura

Cheiro de eucalipto que sobe pelo ar
Brisa de maré, água salgada que a costa vem abraçar
Vento frio que aproxima os corações
Vozes que pelos montes ensinam em amorosos sermões

Olhos fechados, em si mesmo a devagar
São universos inteiros que se tem para explorar
Som de rio que corre sem se perder
Certeza de que amanhã o sol vai de novo nascer

Olhar de mãe que o bebê vem amamentar
Pais que cuidam para que amor não venha faltar
São pedaços pequenos do cotidiano que venho trazer
Mas que assentando aqui dentro a alma voar podem fazer
Pois lembram que por mais bonito que seja sonhar
A leveza desta vida está em os pequenos detalhes todo dia acompanhar

quarta-feira, 12 de agosto de 2015

A promessa


Há linhas que já nascem com um título
São livros já terminados, são mitos já recontados
São outonos que pelo inverno já foram consumados
São lágrimas no rosto, depois que o coração foi quebrantado

Mas ainda que não seja visto
Lá estão eles, os dias que dos olhos são escondidos
São coração apertado, nó na garganta
São dor e desafio, que para conhecer ninguém se levanta

Naquelas palavras sussurradas de mãos dadas
Estava presente uma infinita vontade de viver
E nos olhos frente a frente colocados
É que a união de duas almas se fez nascer

Mas com os pés separados agora no chão
O grito na alma nessas noites sem fim
É que se revela a aspereza de forjar-se perante outra mão
Nessas horas incontáveis que o fogo queima em estopim
Ainda que mudos, vejo de novo aqueles lábios com suas palavras em mim

E não há mesmo previsão de quando ou onde
Só se sabe que uma hora se estará lá
E ainda que aquele olhar seja como uma primavera perdida
Certo é que desse inverno haverá despedida
Respirando novamente fora da água
Sentir nos pulmões o ar que de ti vem cheio de vida

Mal é possível lembrar seu nome
É uma memória já quase perdida
Só a sinto no peito como futura esperança
Sobre um abraço longo, junto da alma mais bonita
Recomeçando de onde tudo foi parado
Aquele conto que muitos já haviam ter se acabado

quarta-feira, 29 de julho de 2015

Um milhão de sóis

 
Manhãs coloridas de amarelo, em um céu primordiamente azul. Do nascer ao falecer, estar sempre sob o mesmo teto imaterial, apenas a contemplar pequenos pontos de luz brilhando ao longe, como que a sinalizar para quem, cá embaixo, segue com suas trilhas inacabadas.
Porém, para olhos mais atentos e curiosos, tanta luz é nada além de um chamado. Um convite à exploração, à busca pelo que ainda não se sabe ao certo o que é. Guiados por sua imaginação e criatividade, exploram novas fronteiras, fazendo com que o campo de visão seja ampliado, cada vez mais e mais. 
Descobrimos então que além do nosso próprio mundo, existem outros tantos. Cada um com sua própria história, com sua própria linha de evolução. Todos eles, únicos em sua singularidade, possuem histórias a contar. Histórias estas que nos trazem lições, evocando pensamentos e sentimentos a respeito do que na realidade somos. Tudo o que vemos e tocamos é nada mais que uma mera parte do universo, formado por pequenos errantes, que por vezes colidem com quem está no caminho, a enormes astros brilhantes que um dia colapsam em seu próprio orgulho e egoísmo. 
A existência humana é uma experiência inacabável. Porque assim como os grandes eventos de tantos anos atrás, a anos luz de distância, a luz de nossas ações só vai reverberar em outros mundos muito após termos deixado esse plano material.
E talvez uma das maiores lições que possamos aprender no meio de tanta relatividade, é que cada mundo possui sua própria realidade. Sua própria terra, seus mares de água, metano, ou seja lá qual sua beleza rara. Todas essas particularidades são meras diferenças existenciais, que não revelam nada sobre o quê encontrar neles. Para entender o que eles são, e o que eles passam em sua própria jornada no infito é preciso habitá-los, ainda que apenas por um instante com o poder que a mente tem de nos colocar aonde quisermos. Não há compreensão sem o tão famoso colocar-se no lugar do outro. Seja lá qual for o mundo que se queira compreender, é preciso entender sempre o que houve com ele ao longo de sua história. História essa que não é menos bela que a nossa própria apenas por ser diferente. Apenas torna o universo mais rico, e revela que o infinito é muito menos vazio do que imaginávamos.
Se tudo fosse igual em todos os pontos do universo, não aconteceria nada, possui a equidade leva à imobilidade. Sem a diferença de milhões de graus entre o sol e a Terra, seria completamente impossível que estivéssemos aqui. É a diferença que torna a vida possível, o equilíbrio sutil entre dois contextos radicalmente distintos interagindo entre si, sem tentar transformar um ao outro: muito pelo contrário, apenas transformando a potencialidade que têm em algo ainda maior.
E é exatamente esse equilíbrio entre milhões de graus e o zero absoluto, ou o vazio quase completo e a presença de toneladas que juntas chegam a distorcer a própria gravidade que faz tudo o que conhecemos ser possível. A natureza tem muitas coisas a nos ensinar, e a primeira delas é o equilíbrio entre corpos, mentes, histórias e futuros. É preciso entender que nem tudo aquilo que entendemos é uma ameaça. Olhar para a própria história da humanidade e perceber que as maiores conquistas foram feitas superando medos, velhos conceitos e também preconceitos. E, da mesma forma, é preciso aprender com a natureza que as mudanças devem sim ser constantes, mas gradativas, pois todo processo repentino gera catástrofes, catástrofes essas que, mesmo sendo superável, leva anos para cicatrizar. 
A luz não vem do sol para queimar e derreter o aço como todos sabemos que poderia: ela vem para dar forças aos brotos de vida que lutam para sair do chão, sendo o agente primordial naquilo que definimos como vida. Não é apenas inspirador, é uma metáfora para o que devemos ser uns para os outros, sem queimar, sem cegar, sem machucar, respeitando sempre as limitações que cada ser tem em sua situação atual na longa jornada que é existir.

segunda-feira, 6 de julho de 2015

Outono



Aquela manhã bela e morna
Nela há algo diferente, 
Sua singularidade a especial torna
Foi a chegada de um vôo conturbado
Quando era preciso ir
Mesmo que o coração almejasse continuar parado

Então chegamos a esta estação
São tantos estranhos a encarar
Mas ainda encontro abrigo no toque de sua mão
Há árvores belas por todo lado
São tantas cores, com tantos tons
Tudo que de mim sai é um suspiro encabulado

Mas para total e confusa surpresa
Os dias vão diminuindo
São um pŕenúncio de fim, envolto em tristeza
Pois o calor vai se esmaecendo
A cada vez o sol se vai mais cedo
E os sonhos de cultivo nos campos vão morrendo

Esta é uma primavera ao contrário
Em que os pássaros se vão
E no jardim,de flor só resta um lírio solitário
Então vendo que aquela é condenada estação
O frio chega enfim por baixo das portas
O que antes era promessa viva de verão
Logo em breve será neve e solidão
E no céu da mente desejos incompletos
Vívidos como auroras boreais se farão
Sombras se mexendo sobre o escuro
A companhia antes tão ardentemente desejada é que agora elas serão

terça-feira, 30 de junho de 2015

Aquele último adeus



Raiando o sol, que atravessa a janela transparente, acorda ela. Ao longe uma moto passa, deixando seu som de ronco de motor se afastando para sabe-se lá onde. Um som amigo, pensa ela, enquanto coloca seus chinelos. Vai até o outro quarto, e vê que se seu pequeno anjo ainda dorme tranquilo, em seu próprio mundo. Um pequeno sorriso embala sua face, e parece tudo estar bem. Com cuidado, ela fecha novamente a porta, e desce as escadas. Esquenta água para o café, enquanto um breve pensamento sobre o dia que virá lhe assalta o pensamento. Voltando à realidade pelo barulho da água já fervente, ela coa o café, cujo cheiro se espalha pela casa. Cheiro de lar, dizia seu pai. Isso era algo que ela nunca entendeu, até que cresceu, e conheceu casas pomposas, com seus azulejos bonitos, armários duplex e panelas de aço inoxidável. 
Tomou um primeiro gole, e um leve conforto a assaltou. Olhou para fora, um dia que parecia frio como o inverno é, mas abraçado pelo sol quente e constante que brilhava durante todo o ano. "Quando você mora num lugar realmente frio, esse sol é como um abraço que te protege de congelar." Que coisa engraçada, pela segunda vez pensou em seu pai. 
Cortou umas fatias de pão, e colocou à mesa. Olhou para o relógio e viu que já eram seis e meia. Subiu as escadas, e acordou o pequeno Miguel que, como toda criança de 10 anos, reclamou ao levantar. Entretanto, em cinco minutos já estava ativo pela casa, enquanto se arrumava para a escola. Tomaram café juntos, enquanto decidiam como organizar a agenda do dia, e conferiam se ele tinha tudo em sua mochila. Assim que ela ia pegando as chaves, o telefone tocou. Estranhou a ligação tão cedo e, quando chegou perto da cômoda, ficou pálida ao ver o número. Tremulando e já temendo a notícia, tomou o gancho. Antes de a notícia ser dada, já sabia pelo tom de voz do que se tratava. Era seu pai que, internado há três meses, havia falecido. Não conteve as lágrimas, enquanto o pequeno Miguel tentava entender o que acontecia. Mas ele era inteligente, e logo também sabia do que se tratava.
Com a mente a mil, teve de pensar rápido. Acabou por decidir levá-lo à escola, para que ele não permanecesse sozinho em casa enquanto ela precisaria resolver tudo. Foram à escola e, rapidamente explicando à professora o que havia acontecido, pediu que ela ligasse caso houvesse qualquer problema. Então com um abraço apertado, se despediram. "Vou ser bonzinho, ta mamãe?", disse o pequeno, que lia em sua face a tristeza e preocupação que ela carregava. 
As horas seguintes foram rápidas, intensas, pesadas. Papéis, outros familiares e amigos a avisar, e tudo isso enquanto ela mesma se segurava em si mesma para não se deixar abater. Então o viu, deitado como se estivesse dormindo. Uma expressão tranquila e serena lhe havia tomado a face, e isso de uma certa forma ajudou-a a assimilar o que havia acontecido. 
O meio do dia chegou e passou rápido como um flash, assim como as horas seguintes da tarde. Palavras de consolo, alguns clichês, e outros mais sinceros e de coração aberto. Até que tudo estava resolvido, e ela podia voltar para casa. No caminho ficava a escola e, ao chegar lá, a professora estava com o pequeno. Ele entrou calado no carro, com a carinha desconfiada de quem sonda o ambiente antes de dizer qualquer coisa. Chegaram em casa, e ele foi tomar banho. 
Nesse meio tempo, uma avalanche de lembranças, pensamentos e reflexões lhe assomaram a mente, enquanto relembrava seus antigos momentos com ele, que agora já tinha partido. Absorta em seus pensamentos, foi tomada de surpresa quando seu pequeno filho, com um papel na mão, entrou de mansinho. A abraçou e, com um beijo no rosto, deixou o papel sobre as suas mãos. Ela o mirou, e então duas lágrimas pingaram sobre o papel. Era um sol, reluzente, feito com lápis de cor, contra um céu azul, sobre um campo verde e algumas árvores com copa em forma de nuvem. Naquele momento, sem palavra alguma, ela entendeu a mensagem e, mesmo com os acontecimentos gélidos do dia, sentiu como que um abraço repleto de amor. O pequenino então a deixou, sem antes olhar para o lado esquerdo da sala, de onde entrava um último raio de sol daquela tarde, e foi quando viu sorridente a velha face do avô, como que a agradecer pela despedida que ele não pôde pessoalmente dar.

quinta-feira, 25 de junho de 2015

Espinhos do destino




A experiência humana é cheia de suas idas e vindas, com momentos que, à primeira vista, podem até parecer um pouco controversos entre si. São questões sem respostas, que levamos anos para entender e, para algumas delas, jamais teremos a resposta. Mas todas as mudanças que se manifestam no final se revelam como os traços de um quadro sendo pintado, e cada decisão que tomamos muda a direção do pincel sobre a tela.
Trazer a ideia da imagem pensada ao mundo do palpável e visível não é tarefa fácil. Envolve pensar em formas e relevos, assim como em cores e seus tons. Ou talvez até alguns espaços em branco, pois assim como o céu com suas nuvens, existem aquelas manchas cuja forma o pensamento é livre para brincar quando as contemplamos. 
Após o primeiro passo, que muitas vezes é acompanhado de gritos de encorajamento, o que se segue é uma sequência de tentativas, erros e por fim conquistas, um tempo durante o qual só a própria sombra é testemunha do que se tem de fazer. Com alguma sorte, alguns mais próximos saberão de suas dores e receios, e se disporão a vir aliviar o cansaço dessa luta diária. Para o dia da despedida, uma data a ser lembrada, existem muitos nomes em meio à multidão. Mas é nos dias comuns, sem glória, fotos e sorrisos que se vê a verdadeira face da lealdade.
Viver é ser desafiado a todo instante. E cada decisão tomada nessa vida, independente de qual seja, terá suas dificuldades, e trará suas dores e dúvidas, nos fazendo refletir sobre tudo que nos cerca, e também sobre o que nós somos. São passos lentos em uma trilha dentro de si mesmo, onde vemos que descobrir o mundo é também descobrir mais de nós mesmos. 
Mas por mais difícil que tudo soe, se olharmos bem, com os olhos atentos, veremos que mesmo as provas mais dolorosas, que fincam espinhos em nossos corações são as mesmas que nos transformam, nos fazem crescer e, quando se tornam passado, viram inspiração contínua de que o amanhã pode voltar a ser melhor, mesmo quando tudo se turva em nuvens negras de novo, e tudo que podemos fazer é nos deixarmos envolver por toda essa tempestade furiosa.
Nunca é fácil se deixar entregar a tanta turbulência. É assustador ser levado por uma corrente ao léu, que não se tem ideia de onde é que ela vai parar. Mas talvez seja isso parte da vida: nunca deixar de lembrar para onde voltar, por mais fortes que os ventos estejam, e por mais longe que eles te levem. Com o tempo aprendemos que cada prova e dor é uma lição para vencer o amanhã ainda mais desafiador e que, quanto mais difícil é o hoje, maior também é o aprendizado quando o superamos e chegamos de fato ao amanhã. E toda vez que chegamos ao limite de nós mesmos, a dimensão de tudo que somos é levada a se expandir. Em novas formas, novas cores, novos tons, mostrando que, para a alma, o infinito ainda será pouco.