quarta-feira, 26 de agosto de 2015

Traumas




A mente é um mundo à parte. Tem suas regras, que ainda nem sonhamos em compreender. As memórias, seja lá onde elas são guardadas, por vezes permanecem num ciclo de processamento que não é tão simples quanto guardar arquivos na gaveta. Porque muitas vezes, no fundo, não é possível saber exatamente onde é que devemos arquivar certos fatos.
Algumas experiências são intensas o bastante pra que as memórias pareçam ir e voltar, e as vemos várias e várias vezes, como um filme cujo final não conseguimos entender, e buscamos encontrar a resposta. Mas não de uma forma sequencial, com nós mesmos apertando o botão pausar e avançar conforme nossa vontade. É uma mistura aleatória de fatos e outras imagens criadas, como que a complementar os buracos que faltam. 
E por muitas vezes nem dá pra notar que elas estão lá. Mesmo quando se diz que se superou, lá no meio do oceano da consciência está aquela ilha de escombros deixados por um furacão trazido pelo destino. E vamos levando, achando que se trata de apenas um mero elemento novo da nossa paisagem como seres formados e conscientes. Porém, dizendo de uma forma até um pouco clichê, realmente se trata apenas da ponta do iceberg.
Então começa a luta por organizar todas aquelas experiências, toda aquela dor acumulada, que se tornou expessa como um machucado mal-cicatrizado e, ao primeiro toque, jorra tudo para fora outra vez. É quase que uma cirurgia, feita aos poucos, limpando, aplicando remédios que tragam alívio e cura, e continuando, experiência por experiência, até que por fim tudo tenha ido embora. O problema é que, ao lidar com isso tudo sozinho, não se sabe ao certo como agir. Quando fazer uma pausa, reconhecer que é preciso ir mais fundo, e quando finalmente parar. O que fazer com tudo aquilo que sai, porque memórias são memórias e, diferentemente de uma inflamação, não podem ser simplesmente lavadas para fora de nós mesmos. 
Com o tempo passamos a aprender a conviver com elas, aceitando-as como amigas e professoras de nossas próprias vidas. É um processo lento, doloroso, e que no começo assusta pela grandeza que motra possuir. Quando se passa muito tempo apenas irrelevando fatos que notoriamente mexem com os pilares do próprio espírito, o maior medo é que, ao começar a retirar tantos escombros, toda a estrutura não venha junto abaixo. Mas o mais importante de tudo é aceitar que, mesmo sendo um trabalho árduo, um tanto quanto solitário e doloroso, retirar velhos esqueletos do armário é a única maneira de abrir espaço para alojar coisas novas. Sejam elas conquistas, sonhos, ou simplesmente novas decepções, que também não deixaram de vir. Mas, ao menos, ao encará-las, estaremos em paz novamente.

domingo, 23 de agosto de 2015

Lembranças



Estar em lugares diferentes, onde dias ora passam num piscar de olhos, ora parecem durar semanas, num correr de horas que depende daquelas variações de seu estado de espírito. Independente de lugar, algumas vezes tudo que queremos é um tal "onde e quando", e até mesmo um "quem", que já foi motivo daquele calor vivo dentro do peito.
O tempo tem dessas brincadeiras. O destino traz e leva coisas e pessoas. Escolhas são feitas, e algumas delas se revelam posteriormente como sendo erros, erros que têm mil e uma consequências para aqueles que rodeiam o autor da ação. São esses desdobramentos que geram as reações de raiva, angústia, tristeza e até mesmo ódio, turbulências na superfície da alma que são prova da mudança ali lançada.
Porém, ainda que a pedra continue dentro do lago, o tempo passa e as ondas somem. Aprendemos a conviver com aquela nova parte de nós, e voltamos a refletir a bela natureza em nosso redor. Ainda que hajam esses momentos turbulentos, vemos novamente o azul do céu em nossos olhos quando nos olhamos no espelho, estando prontos para o passo maior de todos: o perdão.
É nesse momento sublime, simples e que nem requer palavras até, que uma série de imagens começa a se desdobrar em nossas mentes. São raios de sol que aquecem a alma provando com sua luz que a maior evidência da superação é que lembranças antes doloridas hoje vêm trazer um sorriso no rosto. É o amor em sua manifestação maior, nos trazendo de volta, ainda que só através das experiências e lições que aprendemos, aqueles que de alguma forma ainda amamos, ainda que nunca mais possamos vê-los novamente. E só isso já é um bálsamo de paz incrivelmente poderoso, como que uma nova luz no meio da escuridão.

quinta-feira, 20 de agosto de 2015

Leveza


São flocos pelos ares
Cânticos de sereias pelos mares
São asas batendo pelo céu
São barcos a vela que navegam ao léu

São folhas carregadas no vento do outono
São a face tranquila que se tem ao pegar no sono
São águas claras de uma piscina natural
É sede saciada quando se chega ao manancial

Pingos de chuva batendo em um balde no chão
Riso de criança que giro segurando pela mão
Papéis em branco que esperam a história vindoura
Formas no tecido dadas com uma tesoura

Cheiro de eucalipto que sobe pelo ar
Brisa de maré, água salgada que a costa vem abraçar
Vento frio que aproxima os corações
Vozes que pelos montes ensinam em amorosos sermões

Olhos fechados, em si mesmo a devagar
São universos inteiros que se tem para explorar
Som de rio que corre sem se perder
Certeza de que amanhã o sol vai de novo nascer

Olhar de mãe que o bebê vem amamentar
Pais que cuidam para que amor não venha faltar
São pedaços pequenos do cotidiano que venho trazer
Mas que assentando aqui dentro a alma voar podem fazer
Pois lembram que por mais bonito que seja sonhar
A leveza desta vida está em os pequenos detalhes todo dia acompanhar

quarta-feira, 12 de agosto de 2015

A promessa


Há linhas que já nascem com um título
São livros já terminados, são mitos já recontados
São outonos que pelo inverno já foram consumados
São lágrimas no rosto, depois que o coração foi quebrantado

Mas ainda que não seja visto
Lá estão eles, os dias que dos olhos são escondidos
São coração apertado, nó na garganta
São dor e desafio, que para conhecer ninguém se levanta

Naquelas palavras sussurradas de mãos dadas
Estava presente uma infinita vontade de viver
E nos olhos frente a frente colocados
É que a união de duas almas se fez nascer

Mas com os pés separados agora no chão
O grito na alma nessas noites sem fim
É que se revela a aspereza de forjar-se perante outra mão
Nessas horas incontáveis que o fogo queima em estopim
Ainda que mudos, vejo de novo aqueles lábios com suas palavras em mim

E não há mesmo previsão de quando ou onde
Só se sabe que uma hora se estará lá
E ainda que aquele olhar seja como uma primavera perdida
Certo é que desse inverno haverá despedida
Respirando novamente fora da água
Sentir nos pulmões o ar que de ti vem cheio de vida

Mal é possível lembrar seu nome
É uma memória já quase perdida
Só a sinto no peito como futura esperança
Sobre um abraço longo, junto da alma mais bonita
Recomeçando de onde tudo foi parado
Aquele conto que muitos já haviam ter se acabado