domingo, 3 de novembro de 2019

Canarinhos no quintal



Cheiro de mate quentinho, aquele pote de biscoitos na geladeira. Um filme para distrair durante a tarde, e alguém sentado na cadeira da sala. Hora da escola, "vai com Deus, meu filho!"
Uma imagem de Nossa Senhora Aparecida na mesinha do quarto, aquele manto azul cujo amor de mãe só cresceu e se fez também vó. Passarinhos cantando na casa, e cachorros latindo no quintal. Presentes de Natal em 3 de dezembro, "E eu lá vou esperar até Natal pra ver se ele gostou?"
Conversa com as vizinhas no pé do portão, uma visita naquela amiga da rua do lado. Pernas boas de andar, de juntar histórias pra contar. Farra no mercado, puxões de orelha aqui e ali. Aqueles trocadinhos passados escondidos pra ninguém ver com o olhar vigiando a cena do "crime". Abraço gostoso de aniversário, crescer e te ver ir ficando cada vez menor, enquanto ao mesmo tempo o espírito se tornava cada vez mais e mais livre.
Hoje o dia foi frio e não teve chá-mate com biscoitos da geladeira. Eu olhei e vi uma sombra azul, era aquele manto sagrado na mesinha do quarto abraçando o céu em abraço pra te dizer "bem-vinda". E lá bem ao longe, vi que os canarinhos na gaiola ficaram em silêncio por um momento pra te ouvir cantando enquanto ia ao céu. Virei menino de novo, e quis seu abraço. Primeiro senti o ar vazio em minha volta, mas então olhei pra dentro de mim e senti sua vozinha acalentando meu coração. "Chora não, meu filho, que só vou ali e já volto". E enquanto sentia de volta aquele abraço conhecido, voltei a prestar atenção e ouvir que neste momento, os canarinhos do quintal também tinham voltado a cantar.

sexta-feira, 1 de fevereiro de 2019

Despedida



Se era alegria
Se era fraternidade
Se era parceria
Hoje sobrou a saudade

Se era amor
Se era lealdade
Se era ardor
Hoje me consome a incredulidade

Era mar que carrega areia
Era a palmeira do oásis do deserto
Era camponês que o chão semeia
Era a chuva que vinha definir o destino incerto

Como rostos que vêm e vão
Anônimos da massa da cidade
E quem eram hoje amanhã já não o serão
Linha de metrô findada, nesse caminho já não há passagem

Escolas que logo se irá deixar
São os aviões se tornando pequenos no céu
São as casas onde já não se pode mais morar
Cavalos que não voltam depois do giro do carrossel

Filmes que se tornam descoloridos
Escudos cujos brasões já não tem mais brilho
Pontes que já sucumbem aos anos transcorridos
Campos de onde já não se nasce mais o milho

O sol que se foi sem ter aparecido
O batom que perdeu seu carmim
Sem razão, sem sentido
Sem começo, também sem fim