segunda-feira, 28 de dezembro de 2015

Incêndio




Meio da noite, conversa de pé de cama
Palavras sobem ao vento
Seu som lambe e arde como no fogo as chamas
Entram pelos ouvidos, descem até os pulmões
Secam a garganta
No peito trazem palpitações

As mãos tremem e falham
E os olhos perdem a visão por um momento
Enquanto aquele calor machuca e destrói
O corpo tenta sair daquele tormento
As lágrimas rolam pela face
Tentando conter o incêndio
Que se espalha por toda parte

São labaredas vivas e com consciência
Queimam cada memória
Tentam alcançar até a fonte da pobre inocência
Ao fim o que sobram são cinzas e pó
Galhos secos no campo estéril
De uma pobre árvore que jaz só

Nos olhos restam ainda aquelas brasas
Que perdidos e sem entender
Têm agora medo de céu acima estender suas asas
E naquela solidão de vozes a lamentar 
Surge a revolta por tamanha injustiça
A dor de um vazio que não se sabe com o quê completar

Buscando naquele refúgio antigo
Momentos de infância distante
Onde não parecia haver perigo
O ar sufoca, e o calor é insuportável
Pois mesmo no passado que parecia feliz
As chamas já faziam de tudo cenário lastimável

Em todo aquele tempo de sílabas proferidas
Que crepitavam qual fogueira veroz, mas não inimiga
Estava o rancor, tanta raiva escondida
Que agora por desonra e decepção
Em meio a gritos de socorro e desespero
Tentam agora consumir mair um outro coração

quinta-feira, 17 de dezembro de 2015

Significado


Horas noite adentro
E com o pensamento aceso
De amor padece o corpo sedento

Como ecos na montanha
As palavras ribombam e voltam
Crescem nos vales logo abaixo
São imagens que não se vão, apenas ficam

Sem reação, sem uma possível ação
O verde do gramado parece fosco
Enquanto sem norte procuram saber onde estão
Aqueles tremores de tristeza
Vão e vem sem piedade
Abalam por inteiro na alma sua beleza

Não posso dizer quando surgiu tanto ódio
Cru e insano
Que quer apenas sangue para enfeitar seu pódio
Como conseguir compreender
O que faz questão de não ter explicação 
Mas se arremete contra a porta fazendo-a ceder?

Mas de certa forma tanta raiva
Cega, gratuita
É a sombra que mostra aonde é que a luz estava
São caminhos que se distinguem
Dentre quem chora parado
E que alegrias em sorrisos novos finjem

Aquela decepção, tristeza e perda
Tão dolorosa, massiva
Serve de norte onde quer que se esteja
E em algum quando essa tristeza for passado
Num dia em família, ou sozinho em casa
Essas lágrimas de agora é que a tudo darão significado

terça-feira, 8 de dezembro de 2015

Memórias vivas



Primeira marcha engatada
O ronco do motor que dá partida
As rodas começam a se mover da garagem pra rua
A sombra da árvore no jardim abraça em despedida

A rua com os mesmos buracos de sempre
Os vizinhos a conversar em mais um dia
Bolas batendo nos muros das casas
Papagaios sendo perseguidos bairro afora

Os uniformes e as mochilas novas
Os gritos no pátio da escola
As histórias imaginadas
Brincadeiras em conjunto sonhadas

Aquele primeiro amor de escola
Que ingenuidade, tanta dúvida por nada
A praça com seus idosos a ver a beleza dos dias passando
O côro da igreja ouvido de dentro do quarto

A casa do amigo mais querido
Soluços de um choro no travesseiro escondido
Escuridão de dias envoltos em relâmpagos
Mãos dadas, em esperança entoam cânticos

Na visita ao interior, os córregos saindo da mata verde
No quintal da fazenda vinha o cachorro a celebrar
Como é clara a memória daquele dia
Em que no lago ele pulava sem parar

As linhas da estrada passando sem se deixarem ver
Fechando novamente os olhos
Dá pra ouvir o vento vindo sem esmoecer
Brisa leve daquele inverno
Que foi quente e tão terno

De repente voltando ao presente
A conta de onde se está vem a chegar
Um meio sorriso vem a se esboçar
Ao sentir aquela doce sensação de ali estar

Em paz pela certeza conservar
De que o que era bom do passado
Ainda que somente no coração a pulsar
Perdido não se foi, pois para sempre lá está
Como presença viva a nos acompanhar

domingo, 6 de dezembro de 2015

Realização


Ouvimos muitos dizendo que devemos viver a vida dia após dia. Uma nova batalha por vez, um novo desafio sem se preocupar demasiadamente com o porvir. Quando mais novos, não entendemos exatamente o que querem dizer com isso, afinal de contas, como agir sem esperar ou se preocupar com o que irá acontecer no momento posterior ao atual?
E então começamos a crescer. Como pessoas, como filhos, como amigos, ou até mesmo parceiros para a vida. Criamos objetivos, e vemos as investidas diárias contra aquilo que construímos, seja dos imprevistos sorrateiros cotidianos, ou até mesmo daqueles que não compreendem nossa jornada. E vamos nos livrando deles, um por um, com maiores ou menos dificuldades, enquanto cada etapa de nosso sonho se concretize.
Ao final, entendemos pela vivência o que tanto nos foi repetido. Vemos o quão importante é deixar, algumas vezes, a dúvida de lado e simplesmente seguir, crendo em uma certeza quase que fantasiosa sobre o futuro que queremos construir. Vemos que nossas mãos, agora já calejadas pelo trabalho intenso, são a memória que lembraremos dos dias difíceis sem as certezas que almejávamos. 
Porém, talvez o mais importante de tudo seja entender que, por mais difícil, dolorosa e triste que seja uma jornada, nada e nem ninguém pode conseguir nos transformar a ponto de que, quando conseguirmos respirar o ar puro de dias de paz, não tenhamos mais espaço no nosso interior para vivenciar aquele novo momento bom. Se não deixarmos nossas mágoas, tristezas e desapontamentos fora, viraremos estátuas amargas perante os caminhos da vida, apenas a contemplar o horizonte, sem mais almejar alcançá-lo. Libertar-se do passado, retendo apenas as lições que ele nos deu é não apenas ter maturidade de espírito de entender o que devíamos aprender, como também a chance que nós mesmos nos damos de sermos felizes. Ainda que apenas naquele segundo, naquele breve momento antes da próxima tempestade. O que é importante, é que ele exista, e nele sintamos que estamos completos, por vermos nosso coração e espírito naquilo que criamos para nosso presente. Quando isso acontecer, todas aquelas lágrimas derramadas valerão a pena, por terem sido a água a regar as flores nos campos verdes que cultivamos.