sexta-feira, 24 de maio de 2013

Contos de uma existência: Lucidez


A milhas e milhas de distância do pensamento, caminha uma grandiosa estrela. Confiante em sua própria luz, incendeia-se, torna-se uma gigantesca massa vermelha, enquanto devora o que está em seu redor. Uma mente inflada em si mesma, que confia na própria voz mais que na própria consciência, não percebendo a catástrofe eminente. Enquanto vai retirando a vida em torno de si mesma, apresenta seu brilho, tal como acha que deve ser.
Caminhando por dentre os céus desta vida, mostra o seu ardor incontrolável, enquanto seu combustível se torna cada vez mais pesado, e a sua luz, cada vez mais morta. A verdade, dantes ignorada, já não é mais algo possível de se esconder. Porque nos caminhos árduos dessa vida, qualquer personalidade aguda tem suas arestas polidas, tornando-se uma bela superfícia lisa. 
No ritmo de uma valsa, os pensamentos começam a se ordenar, enquanto cenas do passado começam a correr pela mente, que agora não consegue mais deixar a verdade do lado de fora. Ela está no caminho, no céu, no ar... Dentro de si, onde uma voz começa a gritar, com toda a sua força. Alguma coisa está extremamente errada. Onde está a felicidade? Certamente não é nesta solidão.
Então, como o lampejo de um raio que parte o céu, a lucidez faz com que a consciência atinja o auge máximo de seu discurso, e tudo vem à tona. Os castelos de areia começam a ser tragados pelas ondas ruidosas do mar da culpa, culpa esta que faz admitir tudo que se fez.
Então, ao olhar para o lado, vê-se a realidade: nunca se foi especial, apenas um dentre vários pontos falhos no céu da existência, que cintilam num céu escuro. Já se apercebendo da própria falta de grandeza, a verdade mais dolorosa vem: os erros cometidos são como os de mil outros, que se deixam iludir pelas luzes refletidas no espelho. 
Num buscar pelo perdão, muitas almas cantam juntas, procurando se consolar na própria amargura. Mas não há saída tão fácil, e o arrependimento começa levar a uma única certeza, uma certeza que esteve lá o tempo todo, esperando para ser vista. Uma imagem surge no pensamento, e uma sombra começa a tomar forma, enquanto o som que toma conta do espírito é uma nota calma, suave e, à sua maneira, triste. Pois já não se tem certeza do que se vai encontrar, sabendo-se que o estrago feito foi como o de uma vaga que percorre todo o mar só para quebrar violentamente na praia. Há uma vontade irrefutável de seguir, crescer... Mas antes, não... Antes é preciso voltar para ver o que ainda restou do que se fez, pois há alguém que ficou para trás. Alguém cujo canto começa a ser ouvido dentro do próprio espírito, um canto baixo daqueles que já não têm mais forças para cantar.
E, nesse momento então, começa a lenta jornada de volta, enquanto a própria alma vai mudando seus tons, sua forma, sua essência... Porque com a lucidez, os tons pesados e escuros começam a dissipar-se, enquanto que a clareza do raciocínio, e a leveza do coração operam uma verdadeira restauração do espírito.



Episódio 3 da Série "Contos de uma existência"
Parte 1

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