terça-feira, 29 de outubro de 2013

Quando todas as luzes se vão



Naquele dia, o sol acordou sem cor. Sua luz não aquecia, e tudo era um preto e branco sem graça. Ao sair da cama, a água do chuveiro parece não existir. Tudo é só um mecânico agir, e o corpo já anda no piloto automático há anos. 

Porque não há mais graça, não há motivo. Porquê, afinal de contas, continuar? Ver as mesmas coisas todos os dias, as mesmas pessoas perdendo a oportunidade de se tornarem alguém melhor. Os próprios problemas parecem ter feito uma aliança macabra para conspirar contra a felicidade. Aliás, felicidade? Isso é uma utopia, que passou a ser engarrafada pra ser comprada por aqueles que podem ter suas doses diárias.

A natureza em si parece morta. Não há folhas, nem pássaros. Corvos, com aqueles gritos horrendos, como que a prenunciar uma tragédia inevitável, preenchem a paisagem. Um gélido frio, qual os olhares das pessoas em volta, parece espremer e fazer agonizar aquela pequena chama que ainda lutava pra se manter. E ela se apagou.

Saindo de casa, a lufada de ar. Passo a passo, embora sem sentir nenhum deles, se vai caminhando. Já não se repara que, abaixo na neve branca e indiferente, ainda existe vida. Ainda existe luta, resistência. Porque a chama dos olhos se apagou. Em verdade, o que se é, já se foi, e a mente anda em vales sombrios, para os quais agora quer se dirigir.

Então, numa ideia que já vinha crescendo no íntimo, surge a coragem. Surge a certeza. A despeito de todo o mistério, a incerteza, ao menos se sabe de uma coisa: pode ser o fim. Sim, é o fim. Então toda essa tortura desnecessária poderá ser deixada de lado. Abraçando a noite, que hoje não terá lua ou estrelas. O preto, que agora é um bom amigo, vem para cobrir com o manto do esquecimento. Uma freada repentina, um baque surdo, e tudo então está acabado. Entre lágrimas e estarrecimento, tudo se desvanesce.
"Olá, abismo. Hoje eu me entreguei a você."

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