terça-feira, 20 de maio de 2014

Mãos abertas



Palavras podem ser pedras pontiagudas. Elas podem ser flechas, espadas, tiros de canhão, e também armas nucleares. Palavras, quando as proferimos, podem ser aquilo que desejarmos. Elas podem ser vida, ânimo, incentivo, e também compreensão. Cada uma delas carrega em si um sentido que irá determinar os efeitos que elas irão causar.
Assim são os gestos. Nossas atitudes, a forma como nos portamos perante o outro poderá criar ou destruir, levar adiante, ou puxar para trás. Sem medir as consequências daquilo que decidimos fazer, corremos o risco de sermos portadores de um mal doloroso, que só trará chuvas e nuvens aos céus alheios.
E isso inclui, também, nossa relutância em sermos nós mesmos. Ao nos fecharmos no cotidiano frio e gélido da polidez, perdemos o outro de vista. Ele passa a ser uma ilha distante, em um mar por sobre o qual não nos dispomos a atravessar. Mesmo dentro de casa, sempre há desculpas e invenções que nos fazem sermos, cada um, apenas um ponto brilhante no céu, uma estrela tentando se destacar mais do que as outras.
Quando aquilo que acreditamos ser certo ultrapassa a nossa capacidade de estar próximo do outro, então estamos vivendo à base de meias verdades. Quando aquilo que ouvimos no dia-a-dia é mais importante do que a voz da nossa própria consciência, significa que estamos perdendo a nossa ligação com a nossa própria referência em relação à vida. Ao taparmos os nossos ouvidos para o meio em nosso redor, perdemos a noção da realidade, de onde estamos e, pouco a pouco, daquilo que nós mesmos somos.
Em uma sociedade tão cheia de suas próprias certezas, qualquer coisa que seja distinta é como um teto de vidro sobre o qual serão lançadas todas pedras possíveis. Nesses dias, até mesmo enxergar um ser humano em meio às calçadas que nós mesmos sujamos se tornou um crime. Porque não queremos assumir nossos próprios erros, nossa própria falha em sermos menos egocêntricos. E qualquer um que se dispõe a possuir uma óptica diferente é um alienígena em meio a feras sedentas de sangue. Talvez todo esse desespero em ver sangue jorrando seja nada mais que uma súplica de nossas próprias consciências clamando pelo reparo do que fazemos todos dias.
Enquanto trancarmos nossos espíritos no conforto de uma rotina agradável, longe dos tons pueris que cobrem esse mundo "profano" e "sujo", não seremos verdadeiramente humanos. Se fechar em meio às próprias ideias é como ir a um jardim sem se aproximar de suas plantas. Espinhos, insetos e outros animais sempre existem nos galhos, mas mãos que não tocam as plantas não conseguirão trazer consigo o perfume de suas flores. Mãos fechadas não serão capazes de cultivar mudas, plantar sementes ou arar o chão. Elas serão sempre apenas uma única coisa: mãos fechadas envelhecendo com o tempo, enrugando-se em sua própria solidão.

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