terça-feira, 10 de junho de 2014

Sísifos



Distinção. Um todo que se separa do todo. A ideia de que não se é igual a todo o resto, de ser diferente de tudo que há de errado lá fora. Progresso indefinido, missão bem-sucedida, lealdade que nunca caiu sucumbida. 
Porém a vida segue, e os desafios são muito mais complexos. Já não adiantam mais os velhos preceitos, e caídos no chão vão jazindo os princípios. Vai rachando o templo de baixo acima, pois uma falha em seu fundamento foi encontrada. O erro, ah o inevitável e desprezível erro. A vergonha, a humilhação. Poderia ter sido diferente. Poderia ter sido feito diferente.
Enquanto as consequências vão formando como um dominó no qual as peças caem umas sobre as outras, a poeira vai se levantando, e os sentidos vão ficando confusos. Já não há mais distinção entre o que há dentro e o que há fora, pois aquele espírito descobre que, assim como qualquer outro, se encontra na mesma condição: a condição humana. 
Uma dor aguda, que dói em toda a alma. É a dor da certeza da própria responsabilidade, criada pelos gritos da consciência em alerta máximo. O coração parece em pedaços, atingido por uma flecha envenenada com remorso e culpa, que têm o efeito iludibriante e paralisador pior do que a mais peçonhenta das serpentes.
Assim o tempo vai passando, enquanto nada mais parece ser como antes. Em um estado de vergonha, misto com quase que uma vontade de não mais ser, vai convencendo que não se é mais digno de existir. Não aquela vida, não com aquelas pessoas, não quebrando todas aquelas expectativas, tanto dos outros quanto de si mesmo. 
Cego pela dor, aquele ser já não consegue ver nada além da flecha que adentra mais e mais, empurrada por uma mão que julga invisível, embora sem perceber, seja ele mesmo que a empurra com as próprias mãos, em busca da punição que acha que merece. Não há mais argumentação, sequer som externo. Habitado sempre por um espírito que falava de amor e perdão, aquele corpo padece, incapaz de seguir adiante, perdoando a si mesmo. É um navio naufragado, porque seu orgulho ferido pelo não cumprimento do que dantes se prometera impediu que se permitisse continuar navegando.

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