sexta-feira, 30 de janeiro de 2015

Tons


Olhares no espelho. Desde crianças, somos todos confrontados com nós mesmos. Seja pelo que vemos a nosso respeito, seja pelo dizem a nosso respeito, e até mesmo pelo que pensamos a nosso respeito. No começo, somos apenas pedaços de vida iniciando, cheios de ternura e carinhos. Mas, à medida que crescemos, tudo começa a mudar. Nós começamos a mudar.
A capacidade de percepção do mundo se desenvolve, e vemos melhor como as coisas e as pessoas são. Vemos como tudo, apesar de belo e único, possui algo dentro de si que contrapõe os pontos singelos e positivos. Mesmo em nossos pequenos núcleos familiares, vemos que nem tudo funciona sempre bem, ocorrendo problemas, muitas vezes causados apenas pela falta de cuidado nas atitudes das pessoas envolvidas.
Com o passar do tempo, atentamos o nosso olhar para nós mesmos. Seja pelos infinitos questionamentos de começo da adolescência, com nossos primeiros amores secretos, seja por questões mais complexas das fases seguintes, já entrando na vida adulta. Tudo isso começa a ser uma carga com a qual temos de lidar. Não só o mundo e as pessoas nos apontam isso, como nós mesmos, em nossa falta de compreensão, começamos a nos definir por todas essas características de nosso ser.
Então, quando chegamos a pontos mais extremos e nos rendemos a todo esse peso, tudo com relação à nossa identidade gira em torno dessas definições doídas, vindas daquele lado que não queríamos ter. Não vemos mais nosso sorriso no espelho, a cor dos nossos olhos, e nem mesmo ouvimos o som da nossa voz. Vemos apenas alguém, um algo quase que falido, caído em seus próprios erros, defeitos e outras tantas coisas que não decidimos ser. Continuamos assim, dia após dia pesando sobre nossos frágeis ombros aquilo que achamos ser tudo em que devemos manter o nosso foco.
Até que, em contraponto, surge uma pequena luz a clarear os recantos escondidos de nosso interior. Que nos chama atenção para outras paragens de nosso espírito que não dávamos atenção, relembrando aos poucos que, assim como aquelas mesmas rosas da nossa infância tinham espinhos que feriam a quem os tocasse, mas que ao mesmo tempo possuíam pétalas cheias de cor e uma sutileza quase que angelical, nossa alma é composta de vários tons. Uns mais claros que os outros, mas que, no final, nos fazem ser exatamente como somos. E, quando vemos o quanto podemos ser amados exatamente por tudo que somos, mesmo com tudo isso que nossa consciência insiste em colocar como prova de culpa, percebemos que, apesar de todas as circunstâncias, não é a mera presença de coisas ruins ou boas que irão nos definir. Não é tampouco aquilo que fizermos ou deixarmos de fazer. Não apenas, pelo menos. Porque boas ações não o são verdadeiramente quando não são causadas por boas intenções.
No fundo, vamos descobrindo aos poucos que o mais importante é como lidamos com o exterior, e também com nosso interior. A forma como tocamos o mundo, e nos deixamos tocar por ele. Amando e nos permitindo ser amados. Até que um dia, quase que como por mágica, ao nos olharmos novamente no espelho, percebemos que as cores de nossa alma mudaram daquilo que lembrávamos. A vida, e tudo que ela trouxe, não só nos recoloriu, como nos deixou mais belos, com tons suaves e leves, como os da tardinha de um fim de primavera. E isso tudo porque finalmente iniciamos o processo de reconhecer que somos, assim como todos os outros que conhecemos e não conhecemos, humanos. Com medos, angústias, defeitos e imperfeições, mas também com a essência de trazer a este mundo algo de melhor, e que traga o bem quantos pudermos alcançar. E isso é mais do que suficiente para novamente nos trazer a tão almejada paz de espírito, que nos reconforta e, nos momentos difíceis de confrontamento interno diz: "Você também pode seguir em frente. Porque é exatamente para isso que nasceu."

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