terça-feira, 30 de junho de 2015

Aquele último adeus



Raiando o sol, que atravessa a janela transparente, acorda ela. Ao longe uma moto passa, deixando seu som de ronco de motor se afastando para sabe-se lá onde. Um som amigo, pensa ela, enquanto coloca seus chinelos. Vai até o outro quarto, e vê que se seu pequeno anjo ainda dorme tranquilo, em seu próprio mundo. Um pequeno sorriso embala sua face, e parece tudo estar bem. Com cuidado, ela fecha novamente a porta, e desce as escadas. Esquenta água para o café, enquanto um breve pensamento sobre o dia que virá lhe assalta o pensamento. Voltando à realidade pelo barulho da água já fervente, ela coa o café, cujo cheiro se espalha pela casa. Cheiro de lar, dizia seu pai. Isso era algo que ela nunca entendeu, até que cresceu, e conheceu casas pomposas, com seus azulejos bonitos, armários duplex e panelas de aço inoxidável. 
Tomou um primeiro gole, e um leve conforto a assaltou. Olhou para fora, um dia que parecia frio como o inverno é, mas abraçado pelo sol quente e constante que brilhava durante todo o ano. "Quando você mora num lugar realmente frio, esse sol é como um abraço que te protege de congelar." Que coisa engraçada, pela segunda vez pensou em seu pai. 
Cortou umas fatias de pão, e colocou à mesa. Olhou para o relógio e viu que já eram seis e meia. Subiu as escadas, e acordou o pequeno Miguel que, como toda criança de 10 anos, reclamou ao levantar. Entretanto, em cinco minutos já estava ativo pela casa, enquanto se arrumava para a escola. Tomaram café juntos, enquanto decidiam como organizar a agenda do dia, e conferiam se ele tinha tudo em sua mochila. Assim que ela ia pegando as chaves, o telefone tocou. Estranhou a ligação tão cedo e, quando chegou perto da cômoda, ficou pálida ao ver o número. Tremulando e já temendo a notícia, tomou o gancho. Antes de a notícia ser dada, já sabia pelo tom de voz do que se tratava. Era seu pai que, internado há três meses, havia falecido. Não conteve as lágrimas, enquanto o pequeno Miguel tentava entender o que acontecia. Mas ele era inteligente, e logo também sabia do que se tratava.
Com a mente a mil, teve de pensar rápido. Acabou por decidir levá-lo à escola, para que ele não permanecesse sozinho em casa enquanto ela precisaria resolver tudo. Foram à escola e, rapidamente explicando à professora o que havia acontecido, pediu que ela ligasse caso houvesse qualquer problema. Então com um abraço apertado, se despediram. "Vou ser bonzinho, ta mamãe?", disse o pequeno, que lia em sua face a tristeza e preocupação que ela carregava. 
As horas seguintes foram rápidas, intensas, pesadas. Papéis, outros familiares e amigos a avisar, e tudo isso enquanto ela mesma se segurava em si mesma para não se deixar abater. Então o viu, deitado como se estivesse dormindo. Uma expressão tranquila e serena lhe havia tomado a face, e isso de uma certa forma ajudou-a a assimilar o que havia acontecido. 
O meio do dia chegou e passou rápido como um flash, assim como as horas seguintes da tarde. Palavras de consolo, alguns clichês, e outros mais sinceros e de coração aberto. Até que tudo estava resolvido, e ela podia voltar para casa. No caminho ficava a escola e, ao chegar lá, a professora estava com o pequeno. Ele entrou calado no carro, com a carinha desconfiada de quem sonda o ambiente antes de dizer qualquer coisa. Chegaram em casa, e ele foi tomar banho. 
Nesse meio tempo, uma avalanche de lembranças, pensamentos e reflexões lhe assomaram a mente, enquanto relembrava seus antigos momentos com ele, que agora já tinha partido. Absorta em seus pensamentos, foi tomada de surpresa quando seu pequeno filho, com um papel na mão, entrou de mansinho. A abraçou e, com um beijo no rosto, deixou o papel sobre as suas mãos. Ela o mirou, e então duas lágrimas pingaram sobre o papel. Era um sol, reluzente, feito com lápis de cor, contra um céu azul, sobre um campo verde e algumas árvores com copa em forma de nuvem. Naquele momento, sem palavra alguma, ela entendeu a mensagem e, mesmo com os acontecimentos gélidos do dia, sentiu como que um abraço repleto de amor. O pequenino então a deixou, sem antes olhar para o lado esquerdo da sala, de onde entrava um último raio de sol daquela tarde, e foi quando viu sorridente a velha face do avô, como que a agradecer pela despedida que ele não pôde pessoalmente dar.

Nenhum comentário:

Postar um comentário