sábado, 26 de julho de 2014

A doença do estranho cômico


Passar pela infância e adolescência é algo muito bom e, ao mesmo tempo, doloroso. Na nossa sociedade, pelo menos, latina, descendente de várias raças, há sempre julgamentos para tudo. Meninos que estão afeminados demais, meninas que estão masculinizadas demais, a imposição da felicidade a dois, porque quem está sozinho não pode ser feliz, dentre outras mil coisas mais. Um exemplo muito simples disso é ir a uma festa de amigos que se dizem próximos. Se uma música começa a tocar, e alguém se atreve a dançar sem saber, é o motivo de piada do dia. Porque temos de apresentar ao menos um mínimo de "proeficiência", se não quisermos ser o bobo da corte real. 
E assim é o nosso dia-a-dia. Roupas que não podem ser estranhas demais, posturas que não podem fugir do padrão, detalhes e mais detalhes que pesam como uma carga absurda sobre nossos ombros. Nós, de tão acostumados, não nos damos conta de como é doloroso suportar isso tudo. Não, não podemos ser nós mesmos. Ou melhor, se formos, somos encaixados em algum rótulo, porque não aprendemos ainda a viver sem julgar. Rotular é dar uma marca, porque sentimos a constante necessidade de avaliar os outros ao nosso redor. Não aprendemos ainda a ver as pessoas, seja na rua, na escola, ou dentro de casa, sem querermos avaliar, a partir de mera observação instantânea, o que aquele indivíduo é. Não. Precisamos vê-lo, avaliá-lo, dizer a qual prateleira ele pertece e, se for digno o suficiente de IBOPE, vale até uma foto ou um vídeo pra espalhar na internet. Nos damos o direito de classificar até mesmo as pessoas mais próximas, porque não entendemos a verdade de que a limitação está em nós.
"Nossa, que papo de humanista filosófico chato." É, talvez. Lendo apenas este texto, talvez seja mesmo um rótulo que justo. Mas honestamente, não importa. Não é um texto avulso, em meio a um blog inteiro, que é apenas uma das atividades que um indivíduo executa, que vai definir tudo que ele é. Não muda o fato de que, independente de qualquer característica superficial que seja vista ou atribuída ao ser, o caráter, a personalidade e sua definição (se é que ela é realmente palpável ao nosso olhar limitado) vão muito além, sendo ao mesmo tempo o conjunto e seus elementos individuais. E, em se tratando de uma sociedade que se baseia em rótulos, manchetes e boatos para tomar decisões e formar suas opiniões, não é de se surpreender que a mesma seja errônea e injusta quando se trata de conviver com outras pessoas. Chega a ser engraçado e triste ver as dicas de como melhorar a beleza e a auto-estima que circulam por aí. Elas se tratam, basicamente, de melhorar a superfície a fim de agradar conhecidos e desconhecidos que encontramos no cotidiano, para não darmos motivos de sermos a piada da vez. 
Não buscamos melhorar nossa compreensão do ser humano. Sua complexidade, dinamismo e, principalmente, sua mutabilidade com o tempo. Qualquer tentativa de dar uma denominação a isso é restringidora. É por isso que nos sentimos tão incomodados com estereótipos. Por isso sentimos que eles nos diminuem. Porque eles não são capazes de retratar tudo aquilo que somos. Servem apenas como tentativa para entender o que está na nossa frente, dividindo e classificando, assim como fazemos com tudo. A gordinha, o magrelo, a machona, o viadinho, o favelado, o hipster, o chato dos direitos humanos. No fundo, nos falta o hábito de olhar o mundo e as pessoas nele como um todo. Vemos a parte mais fácil, a que nos interessa, ou a que servirá para a próxima piada do show de stand-up. O que importa é manifestar ter uma opinião, seja ela qual for. Ficar calado, se abstendo de um posicionamento avaliativo e desnecessário sobre como o outro é, é ser passivo, ignorante, desinteressado, ou como dizem por aí, aceitar qualquer coisa que o mundo oferece. Perdemos o hábito, se é que algum dia o tivemos, de buscar compreender o outro a fundo, além daquilo que é superficial. E isso talvez porque, no final das contas, nós não tenhamos vontade de olhar para dentro sequer de nós mesmos.

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