sexta-feira, 29 de maio de 2015

Guerras santas



Os chicotes estalam no ar, enquanto gritos decididos ricocheteiam certezas impenetráveis, que caem como as pedras atiradas pelas mãos daquelas centenas pelas ruas. São homens cegos de raiva, mulheres guiadas por um serventia ensinada, e crianças que aprendem desde agora a ser os juízes de amanhã.
Numa procissão pela aboluta existência, aniquilando os males vistos como ervas daninhas do mundo afora. Arrancam, atiram, queimam e pisam. Quebram vidros de janela, incendeiam. Justificam-se uns nos outros, e só falam aos gritos, em grupos, pois assim parecem ter razão. São soldados da própria fé, vigilantes das esquinas noturnas, ordenando mudança e caos por onde quer que passem. 
São vozes sem rosto, são pensamento sem raciocínio, são emoção sem sentimento. São tudo e ainda assim nada. São meras máquinas, marchando em frente até que eliminem todos os inimigos, mesmo que em suas guerras santas só sobre cinzas para poderem dominar. São a face nua e crua dos seus próprios demônios, que julgam ver em outros, quando aos brados mudam o curso do rio. 
No fim do dia são medo, são toque de recolher, são balas de borracha, numa irônica alusão à sua vontade de apagar da Terra seus alvos. Falam em cruz, entregando-as aos milhares a quem puderem alcançar. São uma mesma ideia em várias línguas, várias eras, várias terras. São terror, choro e desolação. Esses são os soldados do imutável, combatendo em prol de suas sagradas verdades sangrentas, derramando mais sangue que se suas mãos não se movessem para "salvar". 
Nesse show de horrores, somos alvos, mundanos, profanos. Somos maldição, escória, erro de escrita. Apenas uma aberração, uma mera contradição. Sangue a ser derramado, espírito rebelde a ser quebrantado. Hábitos impuros do mundo perdido, que não mais devem persistir. Somos trabalho a ser feito, imperfeição que afasta o céu da terra. Somos seu sentido de viver, e até mesmo sua razão de morrer. Somos todos iguais, porque estamos fora do templo de santificação. E enquanto os sacerdotes do paraíso egoísta se esgotam suas preces rancorosas, são armas que disparam, tochas que se incendeiam, linchamentos que se realizam. Porém, por mais que lutem, rasguem suas vestem e explodam seus ódios, as raízes da convivência pacífica continuarão a crescer e, a cada ato de loucura insana praticada, são sementes de exemplo para um futuro que cada vez mais tantos irão evitar. Hoje, são chama ardente a queimar a carne viva. Amanhã se tornarão pálidos como as estrelas do céu, até que por fim se extinguirão, sumindo no vazio criado por seus próprios corações enrijecidos.

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